Debate sobre equidade racial na escola é fundamental para o combate ao racismo 

Na semana da Consciência Negra, a Vivescer conversou com a professora Carla Santos Pinheiro sobre a importância de debater raça e diversidade nas escolas 

A poucos dias do 20 de novembro, data que marca o Dia Nacional da Consciência Negra, convidamos Carla Santos Pinheiro, mestranda em História, professora da rede municipal de Lauro de Freitas (BA) e presidenta do Fórum Municipal de Educação Infantil de Lauro de Freitas (FMEI-LF), para conversar conosco sobre a importância de trabalhar o tema da equidade racial na escola. 

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE de 2021, mais de 54% da nossa população é composta por pessoas negras. Mesmo que esse número represente mais da metade dos brasileiros, basta olhar em volta para saber que o racismo permanece presente na maioria dos espaços sociais. Essa é uma das heranças do passado colonial que estruturou o Brasil, um sistema que colocou as pessoas negras às margens da sociedade e negou, repetidamente, seus direitos. 

Não é raro encontrar, por exemplo, escolas de elite que contam com poucos ou nenhum aluno negro. Nesses casos, é necessário debater sobre raça? Que espaços devem ter os debates sobre racismo e equidade racial nas escolas? Como professores brancos podem abordar o tema? Essas ações podem ajudar na desconstrução do racismo? 

Confira as respostas dessas e outras reflexões na entrevista a seguir. 

Vivescer: Por que é importante que a equipe pedagógica se sensibilize para debater raça, racismo e equidade racial na escola com crianças e jovens? 

Carla Santos: A escola é um ambiente de coexistência, de formação de sujeitos e identidades. Assim, a abordagem sobre raça, racismo e o debate sobre a questão racial de modo geral é muito importante para que possamos pensar nos processos individuais e coletivos de formação do país e de sua população. Acredito que o diálogo, a escuta sensível, a valorização da pluralidade de ideias e o reconhecimento do protagonismo dos diferentes sujeitos, além de assegurar espaços seguros de trocas de informações qualificadas e de desconstrução de preconceitos, são percursos a serem trilhados para que a sociedade brasileira combata o racismo. 

Vivescer: De que forma a gestão de uma rede de ensino ou de uma escola pode se preparar e preparar seu corpo docente para lidar com o tema?

Carla: Essa preparação precisa ocorrer de forma orquestrada para atender os dispositivos legais e regulamentadores do campo educacional e/ou étnico-racial, assim como estudos e pesquisas sobre esses temas. Neste sentido, sugiro o conhecimento e a execução de documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Vivescer: Esse é um assunto que pode ser debatido com crianças pequenas e de todas as idades? 

Carla: As relações étnico-raciais fazem parte do contexto de qualquer indivíduo, seja em âmbito pessoal ou nos grupos que pertence, independentemente da idade. Pesquisas como a de Maria Aparecida Silva Bento [doutora em psicologia e uma das fundadoras do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT], cujo foco de investigação é o resultado de diferentes pesquisas sobre Educação Infantil e identidade racial, apontam que crianças pequenas já percebem, interpretam e hierarquizam a diferença racial. Para que essa diferença não se convertam em desigualdades, é preciso tratar sobre os assuntos com todos, contanto que se respeite as singularidades de cada idade.

Vivescer: Como evitar que o debate fique limitado a combater o preconceito, mas também aborde a garantia de direitos do povo negro e a busca por equidade? 

Carla: Precisamos dar conta de intervenções preventivas a fim de barrar atitudes de preconceito, discriminação e racismo. O debate precisa ser constante para evitar que a privação de direitos se consolide. Para tanto, as estratégias podem variar entre enfrentamento e resistência no sentido de não se restringir somente ao combate ao preconceito, mas à consciência da importância de extingui-lo e, simultaneamente, fortalecer manifestações que garantam o bem comum.

Vivescer: Quais são algumas estratégias, atividades e práticas para ter essa conversa em sala de aula com crianças e jovens? É possível citar exemplos? 

Carla: Há mais de 10 anos, minha experiência como professora é voltada à mediação de vivências geradoras de aprendizagem para crianças de quatro a cinco anos de idade. As atividades começam com rodas de conversas em que as ideias são apresentadas e discutidas por todos/as do grupo. Tenho aprendido muito com as crianças nesse processo, seus conhecimentos me auxiliam a ver o mundo em outras perspectivas e a buscar diferentes estratégias. As atividades são realizadas não exclusivamente com a presença das famílias, mas prefiro realizá-las com a participação das crianças e suas famílias no planejamento, execução e na avaliação. Esse trabalho em parceria fortalece a relação escola/família/comunidade e os resultados construídos se consolidam de maneira mais robusta. Essa integração evita desgaste de trabalhos desvinculados. Costumamos decidir juntos e juntas, de forma democrática, com respeito.

De forma a evidenciar que é possível a realização de práticas promotoras da igualdade racial com representantes da primeira infância, trago, por exemplo, o projeto pedagógico que desenvolvi no ano de 2018, na Escola Municipal Santa Júlia, em Lauro de Freitas (BA): “Uhuru: Procura-se Representação”. Priorizamos a construção da identidade positiva das crianças através de apresentação de sujeitos e elementos da história e cultura dos diferentes grupos étnico-raciais, sobretudo da população negra, com a apresentação de referenciais positivos e, especialmente, que fizessem parte do seu contexto. Buscamos que a visibilidade ao legado desses referenciais pudesse ajudar as crianças e suas famílias a refletirem sobre suas identidades e suas jornadas.

O debate sobre a questão racial desde cedo na vida dos sujeitos, com um viés que fomente o respeito e a valorização dos diferentes povos e culturas, é um potente instrumento de aniquilação de todas as formas de opressão.

Fique por dentro

Na Jornada Mente – nosso curto gratuito e certificado –, você pode conferir o trabalho inspirador da Escola Comunitária Luiza Mahin, de Salvador (BA).

Esta escola é comprometida em enfrentar desigualdades raciais e diminuir as diferenças sociais e culturais, buscando criar oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem para seus alunos! Confira! 

Respostas

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  1. Personalização do ensino é torná-lo significante para os alunos e tratar de questões pertinentes à clientela, mas também mostrar de forma crítica e consciente outras realidades, pois a escola precisa ensinar os alunos a refletirem também sobre as várias realidades do mundo e contextos sociais diferentes.

  2. Bela matéria!
    Acredito que a equidade racial pode ocorrer através de várias abordagens!
    O ambiente escolar é um local ao mesmo tempo receptivo e controverso , a personalização do ensino ocorre com a didática e a sensibilidade do professor na medida certa e o respaldo de uma boa gestão escolar, tudo se torna possível e as barreiras silenciosas vão perdendo sua força!

  3. Ensino é torná-lo significante para os alunos e tratar de questões pertinentes à clientela, mas também mostrar de forma crítica e consciente outras realidades, pois a escola precisa ensinar os alunos a refletirem também sobre as várias realidades do mundo e contextos sociais diferentes.