Como conversar sobre luto com as crianças na escola

Em tempos de Covid, tema considerado tabu ganha importância e precisa ser abordado com cuidado pelos professores

luto na escola

Com o avanço do Covid, os debates sobre a morte, que já desafiavam a atuação de professores, tornam-se ainda mais frequentes. Apesar do luto estar presente em inúmeros momentos da vida, como na perda de familiares ou bichos de estimação, esse tema ainda é tabu em muitas escolas. É essencial que os professores saibam abordá-lo com as crianças de forma cuidadosa e reconfortante.

Para Valéria Tinoco, psicóloga e psicoterapeuta, ainda existe uma ideia de que a escola não deve tratar de assuntos considerados delicados, deixando essa missão para cada família individualmente. O receio de não abordar o tema de maneira adequada, não respeitar a diversidade de crenças ou acreditar que as crianças são pequenas demais para falar sobre morte contribui, segundo a psicóloga, para um clima de insegurança.

“Desde pequena, a criança está em contato com a morte. Morre o peixinho, morrem os avós, morre o personagem do filme… Atualmente, há mortes na televisão o tempo todo. Isso desperta muitos sentimentos, entre eles a própria curiosidade. Dá para falar, sim, sobre o tema, principalmente se a criança pergunta. Mas o que geralmente acontece é que, à medida que os adultos vão mostrando uma dificuldade, elas vão deixando de perguntar e acaba virando um tabu”, explica.

Construção de significado e compreensão

Falar sobre o assunto com crianças não implica uma compreensão instantânea e automática de todas as nuances que envolvem a perda de alguém querido. “Talvez exista um desafio para que elas conceituem que a morte é algo universal e irreversível, mas não é por isso que não daremos as informações. Cada criança, ao seu tempo, vai entender. Como qualquer outro tema, não há uma compreensão total no início, ela será construída”, explica Valéria.

Nesse sentido, a psicóloga defende que não é aconselhável tentar esconder o tema das crianças ou até mesmo contornar uma eventual morte de um colega, professor, funcionário da escola ou parente, uma vez que, hoje em dia, redes sociais e ferramentas como WhatsApp contribuem para a rápida disseminação de notícias, mesmo entre os mais novos.

“O maior prejuízo em não falar sobre a morte é deixar as crianças terem dúvidas e passarem por essa experiência sozinhas, ou seja, não ter o apoio de um adulto para guiá-la na compreensão de algo que faz parte da vida.”

“Falar que o gatinho ‘quis viajar para outro lugar’ é não dar a chance e não acreditar que a criança tem condições de enfrentar a situação, e isso vai cobrar um preço lá na frente.”

Como trabalhar o luto na escola

A seriedade do tema não significa, necessariamente, que é tarefa difícil falar sobre a morte, perdas e luto. Valéria defende que os professores já utilizam e estão acostumados com inúmeras estratégias que podem ser usadas nesse debate. A missão, portanto, é procurar elementos que conversem com o assunto.

“Acredito que o mais importante é o próprio professor se sentir confortável para falar sobre o tema. É necessário ter em mente que vão surgir perguntas difíceis, como, por exemplo ‘o que acontece quando alguém morre?’. E então, ele não precisa passar as suas crenças. Ele pode sim, falar, no que acredita, mas também reforçar que existem pessoas que pensam diferente e apresentar as outras visões. E depois, claro, abrir para que todos compartilhem e troquem ideias.”

Valéria conta que, em todas as oportunidades que realizou nas escolas uma roda de leitura do livro ‘O dia que o passarinho não cantou’, de sua coautoria, o debate com crianças e jovens foi extenso, justamente por conta da vontade de todos falarem sobre o assunto.

“Na minha experiência, quando é dada a oportunidade para a criança se expressar, ela não hesita, porque é um tema natural.”

Quando se trata da morte de alguém da comunidade escolar, por exemplo, a psicóloga comenta que um movimento importante é a realização de um diagnóstico para entender quem ou quais turmas eram mais próximas da pessoa e quem são os mais e os menos afetados por essa morte. Assim, é possível traçar um plano de apoio de acordo com cada grupo. Além disso, o reconhecimento público do fato, com, inclusive, a realização de algum tipo de ritual como homenagem pode mostrar que o tema está sendo falado, discutido e respeitado. É na coletividade que as pessoas apoiam e são apoiadas.

Confira abaixo alguns exemplos de estratégias e maneiras de debater não apenas a morte e o luto, mas ampliar o tema para o resgate de memórias quando alguém se vai, a finitude da vida, os diferentes rituais religiosos e crenças de passagem, entre outros.

  • Para professores: incluir o tema ‘educação para morte, perdas e luto’ de forma consciente no planejamento escolar;
  • Aproveitar filmes que falem sobre o tema e, ao final, discutir e perguntar o que a criança entendeu ou não e sem tem alguma dúvida;
  • Possibilitar a ampliação para assuntos relacionados, como o medo da morte e de adoecimento, retratados no filme Up – Altas Aventuras;
  • Abordar diferentes rituais e culturas, como por exemplo a celebração Día de Los Muertos, no México (o filme Viva, a Vida é uma Festa, da Disney, trata sobre o assunto);
  • Discutir a morte de uma personalidade pública;
  • Debater matérias de jornais;
  • Aproveitar a curiosidade das crianças e incentivar que façam perguntas se quiserem;
  • Dar espaço para que todos tenham a chance de falar sobre;
  • Trabalhar livros sobre o tema de acordo com a faixa etária;
  • Usar vídeos, como a versão animada do livro O Dia que o Passarinho não cantou

E as emoções dos professores?

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