Como debater sobre os direitos de meninas e mulheres na escola

À luz do Dia Internacional das Mulheres, a educadora Gina Vieira Ponte dá exemplos de ações contínuas que podem incentivar a desconstrução do machismo e a conscientização sobre a temática de gênero na escola

Mais do que comprar flores e chocolates no Dia Internacional das Mulheres, celebrado anualmente no 8 de março, é necessário respeitar o direito de meninas e mulheres em todas as circunstâncias. Isso significa garantir sua segurança, integridade física e emocional e participação em todos os espaços, para que consigam exercer sua cidadania de maneira plena. A escola pode ser um local importante para trabalhar essa temática, conversando desde cedo com os alunos sobre o potencial das meninas. 

Para entender como esse debate pode, e deve, acontecer de forma recorrente na escola, a Vivescer conversou com Gina Vieira Ponte, especialista em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar e autora do Projeto Mulheres Inspiradoras – reconhecido por 15 prêmios e, atualmente, uma das políticas públicas educacionais da rede de ensino do Distrito Federal. Confira a entrevista.

Vivescer: Direitos de meninas e mulheres é um tema importante de ser debatido na escola? Por quê? 

Gina Vieira: É indispensável que o tema seja debatido de forma qualificada, de maneira transversal. Há leis determinando que as escolas abordem direito de mulheres e meninas na escola, além de fazer um trabalho voltado à desconstrução do machismo, o que colabora para a mudança da cultura da própria escola, da comunidade e, a médio e longo prazo, da cultura do país. Com isso, os estudantes têm a oportunidade de construir repertório para entender melhor o que acontece no seu entorno e podem pensar formas de como mudar a sua realidade.

Vivescer: Como tratar do tema independentemente da data?

Gina Vieira: A escola precisa se reconhecer como parte do problema. Os papéis estabelecidos para as mulheres sempre reportam ao espaço e ao trabalho doméstico. Desde a primeira infância, as meninas são educadas para obedecer. Já os meninos são educados para agir de acordo com um tipo específico de masculinidade. Homem não pode chorar, impõe-se pela força, não faz trabalho doméstico e manda na mulher. Estas mensagens, presentes nas práticas sociais, nos discursos, nas relações, nas produções da indústria cultural, também estão na escola, nos materiais didáticos e no currículo. 

O ponto de partida para essa conversa entre nós, educadores, é admitirmos que, como sujeitos sócio-históricos, fomos formados dentro de uma cultura profundamente machista e patriarcal. Então, em menor ou maior medida, o machismo habita a todos nós. O primeiro trabalho que os profissionais da educação precisam fazer é confrontar o seu próprio machismo, estarem atentos a desconstruir-se. Quem não admite que precisa mudar, vai seguir, ainda que não saiba, reproduzindo práticas machistas.

Vivescer: Você tem um projeto e fala desse tema há anos. Percebe alguma evolução na maneira com que escolas lidam com o tema?

Gina Vieira: Quando realizamos a primeira edição do Projeto Mulheres Inspiradoras, em 2014, o tema causava um grande estranhamento, pois não era tão usual que fosse abordado na escola. A valorização do legado de mulheres foi feita de maneira transversal, ao longo de todo o ano. Estudamos biografias de dez mulheres, lemos seis obras de autoria feminina e os estudantes foram convidados a escrever a biografia de uma mulher inspiradora de suas vidas. 

De lá para cá, percebi mudanças muito importantes. Sinto que nestes oito anos houve um despertar maior para abordar o tema no contexto escolar. Além da legislação que determina que o trabalho seja feito, é imprescindível que existam políticas públicas voltadas à formação dos profissionais da educação. Não basta ter abertura para o assunto e boa vontade, é necessário formação técnico-pedagógica. Nos últimos anos, houve pouquíssimo investimento em formação de docentes com foco em direitos humanos e prevenção à violência contra meninas e mulheres. Eu vejo os profissionais interessadíssimos mas, muitas vezes, sem saber por onde começar e como fazê-lo de forma transversal e qualificada.

Vivescer: Muito se fala que a questão da violência e da garantia dos direitos fundamentais das meninas e mulheres – tema de um dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU – só serão alcançadas quando meninos e homens forem envolvidos no debate. Como fazer isso na escola? 

Gina Vieira: Gênero, assim como raça, é uma categoria relacional. Tão importante quanto conversar com as meninas, é conversar com os meninos sobre a urgência de desconstruirmos as masculinidades tóxicas. Em relação ao envolvimento dos homens no tema, o primeiro ponto a considerar é como anda a qualidade das relações no espaço escolar. Como as professoras e demais profissionais da educação do gênero feminino são tratadas por seus pares do gênero masculino? Elas são ouvidas e respeitadas? São chamadas a pensar os processos pedagógicos? Como as meninas são tratadas na escola? Há relatos de abuso ou assédio por parte de professores ou estudantes? Como a escola lida com estas situações? 

Vivescer: O que professores homens podem fazer, por exemplo? 

Gina Vieira: A primeira e a mais importante ação de professores homens que desejam se comprometer com a promoção da equidade de gênero no espaço escolar está relacionada a ter a coragem de confrontar o machismo em si mesmos. Vejo muitos homens entusiasmados com a causa, mas tendo dificuldade de reconhecer que a mudança começa internamente. É fundamental que os homens estudem sobre o tema, assumam uma postura de vigilância sobre as próprias atitudes, qualifiquem-se do ponto de vista teórico e pedagógico para levar o tema para a sala de aula. Outra contribuição é dialogar com os meninos sobre o quanto as masculinidades tóxicas fazem com que os homens se desumanizem. Os professores podem acessar o espaço simbólico da “casa dos homens”, este lugar onde os homens constroem a cumplicidade, e dialogar de forma franca e aberta.

Vivescer: O que fazer diante da resistência de professores que não têm tanta familiaridade com a temática?

Gina Vieira: As práticas machistas, sexistas e racistas já estão tão naturalizadas na cultura, na escola, na família e na sociedade como um todo. Quando se fala em colocar foco no tema, as pessoas reagem e resistem. Mas a resistência é parte do processo de mudança. Uma das formas de lidar com isso é tornar cada sala de aula um espaço seguro de diálogo, onde as pessoas sintam que podem falar o que sentem e pensam sem serem constrangidas ou punidas. A forma mais produtiva da dialogar sobre o assunto é, justamente, ampliando o repertório cultural dos estudantes a partir das várias linguagens, trazendo materiais didático-pedagógicos como livros de autoria feminina, filmes, documentários, letras de música que abordem o tema de forma responsável e articulada à agenda de educação em direitos humanos. 

Vivescer: E quanto à resistência dos próprios estudantes? 

Gina Vieira: Nas redes sociais e no território onde vivem os estudantes circulam discursos que desqualificam o movimento pelo direito das mulheres e que, muitas vezes, eles reproduzem sem refletir criticamente sobre o que significam. As falas dissonantes são muito preciosas, porque vão sinalizar para o professor que conversa e conteúdo precisa ser trazido, que equívocos permeiam as falas, que estereótipos e preconceitos se revelam e precisam compor a intervenção pedagógica a ser feita.

Dicas da professora Gina Vieira Ponte:

  • Não separar brinquedos por gênero, como ‘de menina’ e ‘menino’; 
  • Na literatura, atentar-se para o uso de obras de autoria e/ou protagonistas femininas;
  • Observar de que forma as mulheres aparecem no material didático escolhido pela escola; 
  • Articular os conteúdos de história, geografia e matemática para pesquisar a atuação das mulheres no território, os índices de violência contra mulheres e meninas, bem como o levantamento das políticas públicas locais para a prevenção e o enfrentamento à violação de direitos de meninas e de mulheres;
  • Convidar mulheres da comunidade a serem entrevistadas;
  • Estudar os diferentes aspectos da Lei Maria da Penha;
  • Pesquisar materiais midiáticos, como revistas, séries e filmes produzidos para o público adolescente e dialogar com eles sobre como as relações afetivas são representadas;
  • Selecionar obras literárias de mulheres, pensando os diferentes contextos sociais e históricos: mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, ribeirinhas, trabalhadoras domésticas, do RAP, etc;
  • Estimular a participação das meninas na organização do Grêmio Estudantil da Escola; 
  • Incentivar a participação das meninas em áreas em que elas são vistas com baixas expectativas, como tecnologia e matemática. 

Fique por dentro

Na Jornada Mente, a Vivescer apresenta outras atividades que ajudam a ampliar os horizontes dos alunos, incentivando-os a desafiarem seus modelos mentais e a serem protagonistas na construção do conhecimento.

O curso é gratuito, online e certificado! Acesse AQUI.

Respostas

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *