Competências socioemocionais e convivência escolar: qual é a relação?

Para pesquisadora, é preciso pensar em propostas de desenvolvimento sociomorais para um ambiente saudável na comunidade escolar

Situações de conflito no ambiente escolar são normais: crianças e adolescentes estão vivendo os períodos mais importantes do desenvolvimento de suas personalidades e competências. Em uma sociedade plural e diversa como a nossa, é comum haver desafios para lidar com a diferença na escola, já que ela é espelho da sociedade. Conflitos podem ajudar na conquista de novos aprendizados, mas e quando eles se transformam em violência?

Nos últimos anos, ampliou-se o debate sobre o impacto das emoções nas relações sociais do cotidiano escolar, e a importância do desenvolvimento de competências socioemocionais para a superação de conflitos. Também houve o aumento da conscientização sobre o impacto da saúde mental para o desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes, sobretudo após os dois anos de aulas remotas no início da pandemia da Covid-19. 

Diante do aumento de casos de violência escolar, pesquisadores têm refletido sobre novas dinâmicas que possam representar possibilidades para enfrentar o problema. Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), um dos grupos pioneiros em estudar o conceito de clima escolar no Brasil, Flávia Vivaldi acredita que o tema traz reflexões importantes para entender os desafios que o próprio modelo de ensino carrega. 

“A escola, muitas vezes, ainda contribui para uma dinâmica de competitividade, e acaba perdendo a oportunidade de ser um espaço promotor de cooperação, pois reproduz um modelo mais conservador de promover uma cultura de contenção de comportamentos considerados inadequados, ao invés de promover relações mais humanizadas”, alerta. 

Muito além das competências socioemocionais

Há décadas, o conceito de clima escolar ajuda a entender as expectativas e relacionamentos estabelecidos por cada indivíduo em relação às instituições, a partir da análise de sentimentos, comportamentos e ações entre alunos, professores e gestores. É uma ideia que ajuda a entender como é possível alcançar um ambiente de qualidade para alunos e professores. 

Mas Flávia Vivaldi aponta a importância de encontrar uma abordagem que vá além da preocupação com a subjetividade de cada indivíduo:“O clima escolar está muito embutido na ideia de convivência, mas é preciso entender que um clima positivo não é o suficiente para evitar desigualdades, situações que estão ali disfarçadas de desrespeito entre as pessoas. A gestão de emoções precisa ter também um conteúdo moral que pense além do indivíduo”, alerta. 

Mas como ir além do autoconhecimento das competências socioemocionais? A pesquisadora indica uma abordagem sociomoral, em que questões como ética, moral e democracia também podem ser ferramentas para um planejamento de gestão escolar mais eficiente em relação à convivência. 

A ideia não é negar a importância das competências socioemocionais, mas refletir de que forma as relações embasadas na democracia e no apreço à moral também podem completar o autoconhecimento de cada aluno. “São questões que contribuem para pensar em um olhar que vá muito além da busca por uma solução fácil, como muitas vezes temos observado em discussões e matérias que pensam apenas em respostas”, destaca a pesquisadora. Um convívio baseado na análise do contexto social e da diversidade, portanto, podem andar de lado a lado com um ensino voltado a um cenário estimulante para todos os indivíduos. 

Pontos de atenção a partir das reflexões sobre o Clima Escolar

No Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar, pesquisadores do GEPEM trazem uma série de orientações para realizar uma pesquisa com a comunidade escolar a respeito de suas impressões sobre a instituição de ensino em que se encontra. 

São questionários que refletem sobre o clima escolar, mas sob uma perspectiva em que impressões individuais ajudam a entender aspectos sociais e éticos da escola, que  contribuem para um ambiente mais seguro. 

Para o grupo de pesquisa, é importante a criação de questionários específicos para cada categoria da comunidade: alunos, professores e gestores. No Manual do Gepem, é possível encontrar um modelo de avaliação para cada grupo. 

Mas, o que fazer com as respostas? A seguir, trazemos alguns pontos que merecem atenção a partir dos dados coletados na pesquisa:

1) Gestão Escolar aberta ao diferente

A escola precisa ser aberta para o novo. Muitas vezes, as respostas podem indicar a necessidade de novos direcionamentos. É importante reconhecer se ainda há barreiras para mudanças e para a diversidade que alunos, professores e docentes, carregam a partir de seus repertórios socioculturais distintos.  “A escola precisa querer olhar para si, pelas perspectivas diversas que a constituem, os integrantes têm de ser sensibilizados a participar. Essa análise só tem sentido, se integrantes da comunidade escolar aderirem ao processo e estiverem dispostos a se envolver na transformação”, orienta o grupo de pesquisa. 

2) Relações horizontais e coletivas

O debate do que deve ser feito a partir das respostas das avaliações de clima escolar não pode ficar restrito aos gestores. É preciso mobilizar toda a comunidade para manter a escuta ativa, com um planejamento de ações de mudança a curto, médio e longo prazo. “Quando os dados são devolvidos para a escola, é importante que haja uma discussão entre alunos, professores e gestores. Ela não deve ser realizada apenas pelo gestor, nem só pelo professor. Espera-se que ocorra um diálogo, capaz de avaliar o que a instituição já faz bem, quais são suas dificuldades, por que há discrepância de olhares, o que pode ser melhorado”, explica o manual. 

3) Olhares para a escola como um todo

As questões são específicas para cada grupo, mas as tomadas de decisão precisam enxergar a escola de forma sistêmica, em que há o reconhecimento de ações de combate a problemas já existentes e de prevenção a possíveis desafios. Rodas de conversa e assembleias entre professores, alunos e gestores são alguns dos caminhos para um diálogo permanente e que não perca de vista cada ponta dos desafios do ambiente escolar.  Também é o momento de pensar em processos de curas e de intervenção imediata para conflitos já existentes, em que há a facilitação de um mediador que contribui para que as partes cheguem a um acordo. 

4) Estímulo à participação estudantil nas tomadas de decisões

As respostas do clima escolar contribuem para a valorização do protagonismo dos estudantes. Incentivar a construção de grêmios estudantis ou a escolha de representantes de alunos por turma são alguns dos exemplos para uma prática moral e democrática, que também promove integração e sentimento de pertencimento

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