Saúde mental do professor: cuidados básicos que fazem a diferença  

Criar espaço para reconhecer e falar sobre as emoções na escola são indispensáveis para o cuidado da saúde mental do professor

A saúde mental dos professores tem sido um tema de grande preocupação desde a pandemia da Covid-19. Como mostrou um levantamento da Nova Escola em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, em 2022, 21,5% dos educadores brasileiros avaliaram seu estado de saúde mental como “ruim” ou “muito ruim”. Em 2020, no pico da pandemia, esse indicador ultrapassou os 30%. 

No topo das queixas dos professores estão sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48%) e dificuldades para dormir (41%), além de dificuldade de socialização, isolamento e sensação permanente de tristeza. 

Cenário parecido foi encontrado pela psicóloga escolar Pricila Tobias, que trabalha na Secretaria Municipal de Educação de Vargeão (SC). Com o retorno das aulas presenciais, em 2021, ela notou que muitos profissionais de educação estavam com fragilidades psíquicas. Em parceria com a secretária de educação, Carmen Raymundi, ela desenvolveu o projeto socioemocional Cuidando de Quem Cuida

Referenciado na cartilha do Instituto Península, Priscila começou com um trabalho intenso de escuta de toda a comunidade escolar, de professores e gestores à merendeiras, motoristas de transporte e porteiros. “A escuta ativa é a espinha dorsal da educação. Não faz sentido acolher o aluno quando ele chega na escola com suas várias questões se nós estivermos com uma equipe emocionalmente fragilizada”, justifica. 

Os achados não foram muito diferentes do levantamento da Nova Escola, como relata a psicóloga: “a ansiedade era a principal queixa, mas também tinha medo da iminência da morte e luto pela perda de familiares na pandemia. Alguns estavam com problemas financeiros, e muitos demonstraram receio por conta da adaptação do processo de ensino-aprendizagem às tecnologias. Cerca de 37% das pessoas ouvidas estavam tomando ansiolítico, e isso é muita coisa”. 

A partir disso, o projeto traçou uma série de estratégias de cuidado multidisciplinar para todos os 70 profissionais que compõem a rede municipal. Hoje eles têm acesso à aulas de ioga, auriculoterapia, atendimento psicológico, orientação nutricional, preparador físico, fonoaudiologia, atividades de escuta coletivas e individuais. Os momentos de formação pedagógica também abriram espaço para desenvolvimento de habilidades socioemocionais. O projeto conquistou prêmios e segue se expandindo na rede de ensino de Vargeão. 

“Formamos uma rede de cuidado e proteção na qual nós cuidamos uns dos outros. Além de atuar na prevenção, identificamos precocemente quando o outro não está bem e damos o encaminhamento possível”, afirma Pricila, enfatizando que os benefícios se estendem para os estudantes. “As habilidades e competências não estão engessadas numa apostila. Elas vivem e permeiam o cotidiano escolar. Quando eu abro espaço para cuidar da saúde mental, também estamos cuidando das aprendizagens com sentido. A gente sempre diz que o conteúdo mais importante de uma escola é a vida”, reforça.

Saúde mental do professor como prioridade

Todos os dias quando pisam na escola, os professores lidam não só com suas próprias questões de saúde e bem-estar, mas também com as de seus estudantes. “A nossa profissão tem essa peculiaridade de fazer com que a gente se envolva muito com outras pessoas, com suas histórias e vivências felizes ou tristes”, explica o professor da rede privada José Ricardo Martins Machado, que desenvolve programas socioemocionais com professores e alunos do ensino fundamental e médio em Rio das Ostras (RJ). 

Ele destaca também que muitos professores estão sobrecarregados de trabalho porque ainda estão se adaptando ao uso de ferramentas tecnológicas. Por isso, Machado defende que é essencial que os professores entendam que cuidar da saúde mental não é escolha, é necessidade. 

“Nós precisamos inserir momentos em nossa vida para repousar das nossas obrigações e que nos gerem experiências emocionais positivas. Seja uma leitura, uma caminhada, maratonar uma série ou ver um programa de TV, contatar velhos amigos via redes sociais. Não importa muito o que se faça, desde que seja realmente um momento que remeta ao lazer e que eleve a sensação de bem-estar”, indica Machado. 

Dicas básicas para criar uma rotina de autocuidado

Com a ajuda dos profissionais ouvidos nesta reportagem, listamos algumas dicas simples que podem começar a ser feitas hoje mesmo por professores interessados em cuidar da saúde mental e desenvolver habilidades socioemocionais. Confira a seguir: 

1) Tudo começa pelo autoconhecimento

Quanto mais a gente aprender a olhar para si, mais fácil fica reconhecer emoções, sentimentos e pensamentos, bem como a influência de tudo isso no nosso comportamento. Isso inclui avaliar não só suas necessidades, como também suas limitações. 

2) Fale mais sobre seus sentimentos

Dividir angústias com quem divide o cotidiano com você é o primeiro passo para a construção de uma rede de apoio. Você não precisa passar por nada sozinho. Por isso, não tenha medo de falar o que sente para seus amigos ou colegas de trabalho. 

“Mas é bom lembrar que o cuidado com a saúde mental do professor também é de responsabilidade da escola. Por isso, cobre a sua escola para que ela propicie espaços de escuta, mesmo que não tenha psicólogo. Uma equipe que se sente ouvida se sente pertencente e motivada”, indica a psicóloga escolar Pricila Tobias. 

3) Movimente o corpo e cuide da alimentação 

O exercício físico libera dopamina e serotonina, que são neurotransmissores que geram sensação de prazer, relaxamento e bem-estar. A alimentação também é fator importante na saúde mental, já que a qualidade da dieta pode afetar diretamente o funcionamento do cérebro e, consequentemente, o humor e o comportamento. 

Prefira uma dieta saudável, com variedade de nutrientes e baixa ingestão de gorduras e açúcares. E não se esqueça de manter a hidratação do corpo. Carregue uma garrafinha de água para onde você for. 

4) Conecte-se com o que é importante para você

Ter senso de propósito pode ajudar a enfrentar desafios com mais resiliência. Muitas pessoas recorrem à espiritualidade para encontrar propósito e melhorar o bem-estar emocional. Vale lembrar que espiritualidade é uma questão pessoal. Enquanto uns encontram propósito e espiritualidade em uma religião organizada, outros podem encontrar na arte, na meditação ou na conexão com a natureza e com os animais. 

5) Anote tudo o que você faz no dia

Sabe quando o dia termina e você fica com a sensação de que nada avançou? Isso se resolve quando você tira um tempo para passar para o papel tudo o que fez durante o dia. “Nós temos dificuldade de reconhecer tudo o que fazemos e, como consequência, não valorizamos os nossos progressos diários. Por isso, recomendo criar o hábito de fazer um breve resumo de tudo o que você fez, não só relacionado à vida profissional, mas de forma geral. É como um diário da gratidão”, indica o professor José Ricardo Martins Machado, que leciona no Colégio Orion e no Centro Educacional de Toledo (CET), em Rio das Ostras (RJ). 

6) Tenha os estudantes como aliados

Professor não é super-herói, não é inabalável. Por isso, não tenha medo de assumir suas vulnerabilidades para seus estudantes. Isso gera proximidade e incentiva que eles façam o mesmo, gerando empatia e solidariedade. 

“A gente se emociona tanto com o cotidiano de uma escola porque ela é viva e pulsante. Nossa vulnerabilidade é o que nos torna humanos. Quando a gente cria espaço para falar sobre como as emoções nos influenciam, os impactos são sentidos até na aprendizagem. Porque muitas vezes o que o aluno precisa para seguir não é um plano de aula da apostila, mas uma roda de conversa”, finaliza Pricila Tobias.

Confira aqui um resumo com dicas para começar a cuidar da sua saúde mental: 

  1. Busque identificar suas emoções e a influência delas no seu cotidiano; 
  2. Procure um colega de confiança com quem você possa dividir angústias e preocupações e construa uma rede de apoio; 
  3. Tenha uma rotina equilibrada, com alimentação saudável, exercícios físicos e muita hidratação; 
  4. Se conecte com seu propósito de vida e não tenha medo de ir em busca disso;
  5. Saiba reconhecer mesmo as pequenas conquistas no dia;
  6. Conecte-se com seus estudantes assumindo suas vulnerabilidades e criando espaços de troca e escuta.

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Respostas

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  1. Gostei muito as orientações, geralmente fico preocupada com os alunos e acabo esquecendo que para cuidar/educá-los preciso estar bem.

  2. Muito sensível a matéria, trás uma perspectiva bem real de como é estar em uma sala de aula.