Como a quarentena apoiou a aprendizagem entre estudantes

Lápis de cera

Quando uma criança é perguntada sobre o que mais gosta na escola, é grande a chance que ela responda que é a possibilidade de ver os amigos. Para além de despertar o sentimento de pertencimento a um grupo, o convívio diário também desempenha papel fundamental na aprendizagem dos estudantes, complementando o trabalho do professor.

E no contexto de distanciamento social, como as interações virtuais conseguem colocar estudantes em debates e diálogos que incentivam a aprendizagem entre pares? A criação dessa estratégia parte da compreensão sobre a forma com a qual as crianças aprendem, como explica Josca Baroukh, do setor de tecnologia educacional da Escola Vera Cruz e coordenadora do curso de pós-graduação “Educação Infantil, Investigações e Fazeres das Crianças de zero a três anos” do Instituto Singularidades.

“Ainda se pensa que o adulto é quem ensina e a criança só aprende. Mas quando consideramos que a criança também aprende com outras, a maneira de planejar atividades e o respeito pelo saber delas muda, porque assumimos que crianças têm algo a ensinar e, por isso, têm conhecimentos sobre o mundo. Isso está alinhado ao pensamento de que elas não são tábulas rasas, mas sim que aprendem com suas experiências, seja em família, na escola ou com os amigos.”

Convivência e socialização
Em muitos casos, crianças e jovens passam mais tempo com professores e colegas do que em casa com suas famílias. A escola é, portanto, o principal espaço de convivência e socialização, onde as diversas situações do dia a dia proporcionam oportunidades de aprendizagem.

“Costumamos dizer que o fim último da educação é criar cidadãos capazes de intervir e transformar o mundo. Mas a vida cidadã só acontece em grupo e, por isso, a escola tem o dever de promover momentos de interação entre crianças para que elas aprendam a conviver em várias instâncias, como em debates, apresentações de pesquisa ou negociação de regras, por exemplo. A escola não está além ou aquém do social. Ela é o espaço público que os alunos frequentam e isso tem que envolver a vida cidadã”, explica Josca.

A metodologia da investigação entre pares
As interações são um dos quatro elementos que professores devem levar em consideração para promover um ambiente de aprendizagem, juntamente com o espaço, tempo e os materiais disponíveis em sala para exploração. A mudança de lógica do ambiente físico para o mundo online durante a quarentena demandou algumas adaptações. Uma das principais, segundo Josca, está relacionada à faixa etária dos estudantes.

Se antes da quarentena instituições e especialistas reforçavam que crianças pequenas deveriam passar menos tempo em frente às telas, a pandemia fez com que a maioria dos contatos sociais passassem a acontecer virtualmente, incluindo aqueles que tinham a escola como palco. Com menor autonomia, crianças da educação infantil e das séries iniciais do fundamental demandaram ajuda constante das famílias para continuar aprendendo.

Nesses casos, um exemplo de metodologia é dividir a turma em grupos menores, para que os estudantes consigam interagir e trocar ideias. “Em uma atividade de alfabetização, por exemplo, o professor pode criar uma sala online com dois ou três alunos e propor a escrita de um título do livro. Ele compartilha na tela um documento coletivo e as crianças vão negociando que letras devem ser usadas para a escrita. Essa é uma prática que conseguiu ser transposta para o mundo online, e que na sala de aula acontecia com as letras móveis.”

Para os anos finais do ensino fundamental 1, e conforme as crianças avançam pelo ensino fundamental 2 e médio, a prática de interação no ambiente virtual fica mais fácil. Uma estratégia que tem sido amplamente utilizada é a subdivisão de uma sala virtual em várias salas paralelas.

Já na aula presencial, trabalhos em duplas, trios ou até mesmo em grupos maiores, e com metodologias diversas como o uso de projetos, são interessantes para estimular o contato entre estudantes. “Precisamos começar a trazer para a escola a produção de textos que estão no mundo, não só os suportes mais tradicionais aos quais já estamos acostumados. Pode-se propor a produção de um audiovisual com os próprios alunos se gravando em vídeo, ou a produção de podcasts sobre determinado tema como um bate-papo.”

Seja qual for a proposta, Josca enfatiza que esses momentos de interação devem estar claramente pensados e dispostos no planejamento do professor e considerar os saberes dos estudantes. “Como coordenador do grupo, o professor deve assumir esse papel, que é diferente de mandar, e sim de articular, perceber onde precisa intervir, quem pode fazer sem ajuda, quem precisa de apoio maior, que duplas vai colocar para trabalhar juntas para se ajudar e explicitar quais critérios ele usou para essa divisão. Todos esses aspectos devem ser avaliados. No ambiente de aprendizagem, é necessário ter momentos de interação entre pares planejados. Não é algo por acaso ou só no intervalo.”

A educadora reforça, ainda, que, ao contrário de muitos colegas de profissão, não enxerga 2020 como um “ano perdido”, e sim como um período capaz de incentivar os docentes a perceber a potência das crianças, bem como novas maneiras de intervir para promover a aprendizagem sob novos formatos e metodologias, como é o caso do ensino híbrido.

Crédito: Zainab Aamir/Pexels

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