Tecnologia pode ajudar a enfrentar solidão docente durante quarentena, aponta especialista 

Figuras de papel se cumprimentam

Muito antes da chegada do coronavírus no Brasil, já se falava em solidão docente. O sentimento que, segundo a pesquisa Observatório do Professor, realizada pelo Instituto Península, atinge parte dos mais de dois milhões professores que compõem a educação básica brasileira, se dá por diferentes motivos: desde a falta de preparo adequado durante a formação inicial, até a necessidade de enfrentar desafios complexos como violência, evasão escolar e alunos de diferentes realidades socioeconômicas, até a falta de apoio por parte da coordenação pedagógica e dos colegas de profissão.

Se mesmo com o convívio diário com alunos e reuniões na sala dos professores o sentimento de solidão era relatado com frequência, como fica o cenário durante o isolamento social? Além de terem perdido o contato físico, muitos professores estão sobrecarregados pela responsabilidade de ser a ponte entre a escola e os estudantes. A necessidade de aprender a lidar com plataformas tecnológicas para dar aulas a distância também é um fator que soma-se à lista de desafios do momento.

O que pode ser feito para amenizar esse sentimento? A tecnologia, de certa maneira um tanto impessoal, pode ser usada para aproximar os profissionais da educação e criar um senso de pertencimento e comunidade durante o isolamento social? Confira a entrevista com Lilian Bacich, cofundadora e diretora da Tríade Educacional.

Vivescer: O que você tem percebido em termos de sentimentos dos professores em seus contatos durante transmissões online ou com os ex-alunos dos cursos do Instituto Singularidades?
Lilian: Os professores com quem tive contato falam sobre estar longe dos alunos e como isso gera uma angústia por não saberem se os estudantes estão aprendendo ou não. Muitos falam que não conseguem saber se aqueles alunos que acompanham as aulas realmente estão por perto. Em um momento em que está todo mundo em casa, é nessas lives, cursos e ambientes online que os docentes se encontram.  

Vivescer: Em tempos de distanciamento social, como a tecnologia pode ajudar a combater ou amenizar a solidão docente e criar o sentimento de comunidade?
Lilian: Tenho notado que os cursos e lives, principalmente as que disponibilizam fóruns para as pessoas conversarem, estão virando as grandes salas dos professores, os grandes pontos de encontro. Percebo que nas lives que eu faço, os professores fazem perguntas para mim ao mesmo tempo que estão conversando entre si. Em uma transmissão que recebeu inscrição de 1.500 pessoas com perguntas, a principal angústia relatada foi como chegar perto dos alunos. Durante a lives, os professores foram trocando essas informações, e esse processo tem sido muito rico, porque vão aprendendo uns com os outros.

Vivescer: Você viu exemplos de processos que eram realizados presencialmente e precisaram ser adaptados para o online?
Lilian: Na prefeitura municipal de Ponta Grossa (PR), realizei um trabalho com professores baseado na metodologia Lesson Study, um processo no qual os professores se reúnem para planejar, observar e refletir em conjunto sobre a elaboração de planos de aula e seus impactos na aprendizagem dos alunos. Nessa metodologia, os professores devem planejar as aulas juntos, presencialmente. A rede separou algumas escolas para participar da experiência. Então o grupo todo planejava a aula do quinto ano, o professor aplicava a aula, todos assistiam e depois discutiam como poderiam melhorar. Esse é um ponto que ameniza muito a solidão de planejamento e a falta de apoio no presencial. Atualmente, cada um da sua casa, eles estão fazendo a mesma coisa, mas o planejamento é para o conteúdo que será disponibilizado pela televisão. Quando a iniciativa era presencial, os professores pediam apoio de um especialista para validar o planejamento e o mesmo está acontecendo agora: eles estão buscam outras pessoas para analisar o que pensaram para colocar em prática na televisão. Então além de se juntarem para trabalhar juntos, estão acionando outras pessoas para fazer parte dessas redes. Por isso, considero que esses arranjos têm um potencial muito grande de formação para os professores.

Vivescer: Como essas redes podem ajudar na questão da solidão docente?
Lilian: Todas as redes de professores são úteis e acredito que elas podem ajudar se oferecerem conteúdo e agregarem os docentes no sentido de propor discussões direcionadas, porque isso acaba ajudando a focar em um tema. O que percebemos na maioria dos grupos e redes que formam a partir de uma live é um foco, ou seja, um movimento de pessoas trocando ideias em relação àquele tema. Em uma rede social, como um grupo do Facebook onde pessoas pedem dicas e sugestões, é tudo muito difuso, cada pessoa pergunta uma coisa e não há uma linha de construção. Se a rede tiver um foco e um fio condutor, ela conseguirá agregar mais pessoas, não ficar tão difusa e realmente ser muito mais útil para quem acessa.

Vivescer: A atenção com o bem-estar dos estudantes durante esse momento é um tema amplamente abordado em muitos textos e reportagens. Algumas dicas envolvem atenção individual, checar rapidamente no início de cada aula se está tudo bem, jogos para descontrair, atividades em grupo e reforçar os interesses de cada um. Como podemos pensar em movimentos e atividades semelhantes para os professores?
Lilian: Eu vejo que entre os professores há uma necessidade muito grande de compartilhar o que estão fazendo. Se formos fazer uma analogia, é o momento de roda de conversa na Educação Infantil, quando a professora pergunta o que as crianças fizeram no final de semana. No curso de pós-graduação e em outros grupos que tenho contato mais próximo, o momento inicial sempre é de colocar para fora o que estão sentindo, porque estamos vivendo uma situação diferente. Então acredito que abrir as conversas com um espaço para falar sobre quais são as dores e como as pessoas se desafiaram a vencê-las é um processo interessante. Há um sentimento de solidão muito grande e as pessoas querem compartilhar com alguém. Esse é um excelente momento para isso. Ao mesmo tempo, também há a necessidade de professores conhecerem recursos digitais, por exemplo. Então a apresentação de uma nuvem de palavras ou de um novo recurso pode incentivar e fazer com que o professor se sinta encorajado a levar essas ferramentas para seus alunos.

 

Vivescer: Há outras dicas de iniciativas que podem ser realizadas para ajudar a combater esse sentimento?

Lilian: Temos visto os professores criando muita coisa. Para o dia das mães, vi um vídeo colaborativo em que cada professor pega e joga uma bolinha para o outro, cada um da sua casa. Esse tipo de iniciativa é legal porque é algo que eles têm vontade de fazer e tem o propósito de mandar para os alunos. Então talvez investir em coisas que não estão relacionadas diretamente com o desafio que eles estão precisando lidar agora seja um caminho. Isso ajuda as pessoas a se divertirem, a criar um vínculo e a deixar tudo um pouco mais leve nesse período. Em alguns grupos que estou, os professores também estão sugerindo, por exemplo, cozinhar todo mundo ao mesmo tempo. Então ligam a câmera e cada um cozinha uma coisa.  São estratégias diferentes que aproveitam o digital e tiram um pouco o peso desse momento.

 

 

 

 

 

Crédito foto: Freepik

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  1. A inclusão digital de nossos alunos da rede pública é o principal entrave e ansiedade dos professores. Ferramentas mais acessíveis deveriam ser pensadas para que eles também pudessem participar mais ativamente e se aproximar da escola e seus professores.