Mensagens positivas de professores ajudam a controlar ansiedade matemática

De acordo com dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o desempenho brasileiro em matemática é o pior entre os países latino-americanos analisados. Segundo a edição 2018, 68,1% dos estudantes com 15 anos de idade não possuem nível básico na disciplina, mesmo depois de tantos anos na escola. E para isso existem infinitas hipóteses.

O desafio diante da disciplina é tão grande que existe até mesmo um termo para designar o medo da matemática: ansiedade matemática. “Esse cenário pode ter origem na forma equivocada que ensinamos a disciplina nas escolas, um método procedimental, voltado a fórmulas, e não voltado às conexões e à beleza da matemática”, explica Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta, citando estudos que mostram o Brasil no terceiro lugar no ranking mundial de ansiedade matemática.

Segundo a especialista, uma das formas de contornar essa aversão à disciplina é mostrar, desde crianças até adultos, que a matemática é inerente ao ser humano e está em todos os lugares no dia a dia: na escolha em atravessar uma rua em linha reta, no lugar da cama onde se senta para deitar-se com apenas um movimento, a posição na qual coloca o despertador para facilitar desligá-lo pela manhã, todas são escolhas que, invariavelmente, envolvem a matemática.

A importância das mensagens

É devido a esse cenário que programas como o Mentalidades Matemáticas encontram solo fértil no Brasil. Cocriado pelo Instituto Sidarta e pelo Centro de Pesquisas Youcubed, da Universidade de Stanford e inspirado em estudos de especialistas da universidade americana, como da professora e pesquisadora Jo Boaler, o programa tem como objetivo mostrar que a matemática pode utilizar práticas abertas, criativas e visuais de aprendizagem colaborativa centradas em investigações.

Um dos pilares importantes do programa é o conjunto de mensagens que são passadas aos alunos, com o objetivo de permitir cada vez mais processos de exploração da disciplina, e não delimitá-la a procedimentos e padrões desconectados de sentido.

Pesquisadores envolvidos na metodologia defendem que toda criança é capaz de aprender a disciplina em profundidade e, por isso, uma das principais abordagens é considerar e valorizar todas as diferentes formas de pensar e solucionar problemas. A metodologia também reforça que a velocidade de resposta a um desafio, por exemplo, não tem relação direta ao nível de conhecimento da pessoa sobre a disciplina.

Considerado não apenas aceitável, mas parte do processo de aprendizagem, o erro é outro quesito muito abordado. “A aprendizagem é um processo, e não um momento final. Quando aprendemos a andar de bicicleta ou a dirigir, na maioria das vezes caímos ou deixamos o carro morrer. Por que em todas as outras áreas do conhecimento entendemos que errar faz parte do processo e na educação o erro é punido?”, reflete Ya Jen.

Trabalho em grupo

Trabalhos em grupo podem ser desafiadores, mas é impossível negar que várias cabeças pensando em um mesmo problema ampliam as possibilidades de solução. “Nós costumamos brincar que a melhor resposta para um desafio matemático começa com a palavra ‘depende’”, explica Ya Jen. Quantas pessoas cabem em uma mesa de festa de 1,60m por 1,20m? Isso depende se todos sentarão à mesa, qual é a medida de cada cadeira e muitos outros fatores que podem ser observados por várias pessoas que formam um grupo de estudos.

“Quando falamos em trabalho em grupo, não significa dividir tarefas, mas sim o debate sobre os exercícios matemáticos, que possibilita conjecturas e os processos de se convencer e convencer o outro. É nesse trabalho de discussão que aprofundamos nosso pensamento matemático. Quando trabalhamos com uma visão fechada ou binária de resposta – certo e errado – na educação, limitamos as possibilidades de desenvolvimento de raciocínio mais profundo.”

Aplicando a metodologia na rotina escolar

Todos os conceitos teóricos citados por Ya Jen ganham vida na rotina da Escola Estadual Henrique Dumont Villares, em São Paulo (SP). Nádia Moya Brocarrdo, coordenadora pedagógica da instituição, orgulha-se em comentar que a aplicação da nova abordagem surtiu efeitos que vão além da aprendizagem dos estudantes.

Para ela, o primeiro passo para mudar toda a cultura da escola é começar com a formação dos professores. “Muito se fala em letramento de alfabetização, mas pouco sobre letramento de matemática, sobre como ensinar essa disciplina. A cultura matemática dos nossos professores era ‘um mais um são dois e só’. Começamos a mostrar, a partir da neurociência, como acontece a aprendizagem, as conexões cerebrais e então começamos a abordar a importância do erro”, explica a coordenadora.

“Nós não colocamos mais o ‘x’ de errado no caderno, colocamos um risquinho para que a criança saiba que ainda não chegou no resultado. Essa mudança na forma de tratar o erro mudou até mesmo como os estudantes enxergam a avaliação. Se antes tinham medo da prova, hoje eles gostam e ficam felizes, porque não há mais o medo de arriscar.”

Pode parecer utópico para quem vê de fora, mas Nádia faz questão de reforçar que não foi um caminho fácil, sendo necessário alguns anos de formação e conscientização docente. Para a coordenadora, muito do medo que crianças têm da disciplina pode vir dos próprios professores que, inconscientemente, repetem padrões sobre os quais foram ensinados. Além disso, a participação de todos os docentes da escola nos processos de formação facilitou a construção dessa nova cultura que valoriza os desafios e dificuldades e não condena o erro durante a aprendizagem. “Começamos a mostrar que quando um professor acredita no potencial do aluno e faz boas perguntas, isso impacta a aprendizagem. Assim, demos voz aos alunos e o professor saiu daquela posição de maestro que ocupava na frente da sala.”

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