Saiba como promover uma Educação multicultural através dos Jogos indígenas
Os jogos, além de trabalharem a ancestralidade, amplia a visão de mundo e cultural de cada aluno
Arco e flecha, queimada, peteca, pião, cabo de guerra e bolinha de gude. Se você e seus estudantes já praticaram essas atividades lúdicas na escola, saiba que todas elas têm uma origem em comum: a cultura índigena.
Sejam adaptados ou com outros nomes, os jogos e brincadeiras indígenas fazem parte do cotidiano escolar de milhares de crianças e jovens em todo o Brasil. Essas atividades lúdicas incentivam competências socioemocionais – sentimentos de coletividade, companheirismo e cooperação -, além de habilidades como a coordenação, o equilíbrio e o senso de estratégia.
Gestora da Escola Estadual Indígena Jula Paré, localizada na aldeia Umutina, em Mato Grosso (MT), a educadora Eliane Boroponepa ressalta a importância dos jogos indígenas para a valorização dos saberes ancestrais indígenas entre as novas gerações. “Por meio das práticas esportivas, nós [profissionais da educação] estaremos fortalecendo e divulgando a cultura dos povos originários, que tem um saber, uma habilidade e uma técnica que estão sendo executadas pelas nossas crianças”, afirma Elaine. “Assim como nossos anciões ensinaram para a nossa geração, também cabe a nós proliferar esse saber e essa habilidade para o futuro.”
Por lá, assim como acontece em outras instituições de educação indígena, a escola realiza uma semana cultural, no mês de abril, voltada às práticas e saberes pedagógicos indígenas. São realizadas atividades e oficinas que reúnem educadores, anciões e estudantes para confeccionar artesanatos e redes, cantar, dançar, preparar comidas tradicionais e, claro, brincar e jogar.
Arco e flecha: da produção ao jogo
O arco e flecha é um dos jogos mais tradicionais da aldeia. A atividade funciona da seguinte maneira: na primeira etapa é colocada uma laranja a uma distância de três metros. Quem acertá-la passa para a próxima etapa, que contém um alvo com diversas pontuações. Quem executar o disparo com maior valor, vence o torneio.
Além da prática tradicional, acontecem competições de corrida em diferentes modalidades: do ovo, do saci e do saco. Esportes não–tradicionais também têm seu espaço, como futebol, vôlei e natação.
Enquanto era professora, Eliane desenvolveu um projeto chamado “Aula em campo”, com o objetivo de aumentar o conhecimento de seus estudantes sobre o próprio território em que viviam. Durante as visitas, os jovens também buscavam matérias-primas como madeiras, cipó e penas para a elaboração de arcos e flechas que seriam utilizados na competição.
Competições regionais e nacionais
Os jogos indígenas possuem tamanha importância que inclusive há competições regionais e nacionais. Nos próximos dias, por exemplo, acontecerá um evento esportivo em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, que reunirá aproximadamente mil atletas indígenas de mais de vinte aldeias da região.
E com as escolas não é diferente: segundo Eliane, os jogos indígenas escolares têm recebido mais apoio dos gestores municipais e estaduais, com mais investimentos em transporte dos atletas e participação intensa das famílias. “Em 2022 nossos alunos foram destaque dos jogos indígenas do Mato Grosso. É uma grande oportunidade para o jovem indígena viajar e mostrar suas habilidades.”
Educação intercultural
Acima de tudo, a prática dos jogos indígenas pode fortalecer um modelo de educação intercultural, com respeito à diversidade e reverência aos conhecimentos dos povos originários. Elaine comenta sobre a importância de escolas não-indígenas abrirem espaço para esse tipo de prática. “Trata-se de uma forma de quebrar a barreira com relação aos indígenas. A partir do momento em que realizam essas atividades, as escolas desmistificam e quebram paradigmas em relação aos saberes indígenas”, defende.
“Os estudantes não indígenas terão uma outra percepção, um outro olhar com relação às práticas desportivas dos povos indígenas. É uma forma de valorizar, fortalecer e minimizar a discriminação para com os nossos povos originários.”
Jogos para praticar com os estudantes
A seguir, com base no Manual Bilíngue de Jogos e Brincadeiras Indígenas e na plataforma Território do Brincar, listamos algumas brincadeiras e jogos indígenas para praticar nas escolas:
Gavião e passarinhos
Desenhe uma grande árvore no chão, com galhos condizentes ao número de participantes. Cada um ficará em um galho e uma criança é escolhida para ser o gavião.
Quando começar a brincadeira, cada passarinho vai bater asas, cantar e assobiar, com o intuito de distrair o gavião, que estará atento para pegar cada passarinho que estiver fora do galho. Cada criança que for pega pelo gavião sai da brincadeira até sobrar somente uma, a vencedora.
Corrida do Saci
Brincadeira que estimula a coordenação e o equilíbrio, a corrida do saci pode ser feita com um grupo grande de crianças em um espaço ao ar livre, como um pátio. Homenageando o personagem mais conhecido do nosso folclore, a corrida é feita com uma perna só. Traça-se com um giz uma linha para indicar a chegada, e outra, a partida. Se utilizar os dois pés em algum momento da corrida, o jogador fica fora de jogo. Vence quem chegar primeiro do outro lado com uma perna só – e não vale trocar de perna no meio do caminho.
Arranca mandioca
Nessa brincadeira, uma criança senta no chão e agarra um tronco (ou um poste) com os dois braços, e as outras vão se segurando à criança da frente da mesma maneira, formando uma fileira. A cada rodada, uma das crianças é escolhida para ficar de pé e tentar arrancar todas as mandiocas – ou seja, os outros jogadores, de sua posição. Para isso, vale tudo: força, estratégia e até cócegas!
Brincadeira da Onça
Nessa brincadeira, um pássaro avisa aos porcos sobre a presença da onça, e estes deverão fugir dela. Uma criança deve ser escolhida para ser o pássaro, e outra a onça. Os outros participantes – que serão os porcos – devem sentar enfileirados, com as pernas abertas, um atrás do outro.
Quando o pássaro avisar, a última pessoa da fila deve sair de seu lugar e tentar sentar na frente da fila, sem que seja pego pela onça. Quando a onça consegue pegar o porco, ela o leva para um canto, e a fila de porcos vai diminuindo. A brincadeira acaba quando a onça consegue pegar todos os porcos.
Cobra cega
Nesta brincadeira, os participantes formarão um círculo e será escolhido um para ser a cobra cega, com os olhos vendados no centro da roda. Este será rodado de cinco a dez vezes, e depois tentará pegar as outras crianças, que terão seu espaço previamente delimitado. Quando a cobra pegar uma criança, tentará identificá-la por meio do tato. Em seguida, troca a cobra cega e se dará continuidade a brincadeira.
Puxar o rabo do macaco
Todas as crianças deverão pegar folhas – ou papéis de jornal – e prendê-las na parte de trás da calça ou da bermuda, como se fossem rabos. Ao sinal do professor, eles começarão a correr tentando pegar o rabo do colega, ao mesmo tempo em que precisam proteger o seu próprio rabo.
Passar anel
Nesta brincadeira, as crianças vão sentar em roda, uma ao lado da outra. Uma delas será escolhida para passar um anel de mão em mão, até deixá-lo em uma delas, sem que os outros percebam. Em seguida, os brincantes tentarão adivinhar com quem está o anel.
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