Carnaval pode ajudar a diversificar debates na escola

Luiz Antônio Simas, historiador e escritor, analisa como o Carnaval pode pode ser trabalhado em diferentes disciplinas, abordando desde temas sociais até moda

Será…
Que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será…
Que a Lei Áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu

O trecho acima, do samba-enredo “100 Anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?”, da Mangueira, escola de samba do Rio de Janeiro, prova que o Carnaval não se resume a blocos de rua ou desfiles nas avenidas. O evento – que no Brasil mobiliza o país inteiro –, também é uma oportunidade para que professores trabalhem temas diversos nas salas de aula. 

O historiador e escritor Luiz Antônio Simas defende que para aproveitar a festividade e trabalhar o Carnaval com crianças e jovens é importante considerar que o evento não está desvinculado da sociedade, mas sim é influenciado por ela e também a influencia. 

“Existem trabalhos de pesquisa que mostram como os grandes clubes carnavalescos se engajaram na campanha pela abolição da escravidão na década de 1880”, exemplifica. O samba-enredo no início desse texto, escrito em 1988, por exemplo, questiona se a Lei Áurea realmente conseguiu acabar com a escravidão no Brasil, ou se foi apenas uma ilusão. 

Dessa forma, o racismo enquanto um dos estruturadores da sociedade brasileira é um dos temas possíveis de serem trabalhados a partir de sambas-enredos famosos ou as próprias músicas atuais. “O centenário da Lei Áurea, assinada em 1888, transformou o Carnaval em um fórum de discussões. As escolas de samba foram fundamentais para debater a respeito do legado da escravidão, da abolição e do racismo.” 

Carnaval: das avenidas, das ruas e dos salões

Antes de mostrar como é possível trabalhar o Carnaval em diferentes disciplinas, vale mencionar que existem diferentes tipos de festa, que, por sua vez, podem gerar diferentes debates em sala de aula: o Carnaval das avenidas com seus carros alegóricos e fantasias coloridas, das ruas, com os blocos, e dos salões. 

“É possível trabalhar como na virada do século 19 para o século 20 existia o Carnaval de rua, mais popular, e, ao mesmo tempo, o Carnaval de salão com os bailes de máscaras, mais elitistas, que emulavam o Carnaval de Veneza, por exemplo. O Carnaval é um disparador para que pensemos muitos temas”, comenta Luiz. 

Carnaval e política

Outra grande oportunidade para levar o Carnaval para dentro de sala de aula é observá-lo a partir de um viés político. Inúmeros sambas-enredos conectam a festa com o que está em pauta no país, levando para as avenidas mensagens e demandas sociais. 

“Temos vários blocos de rua como ‘Simpatia Quase Amor’, ‘Bloco de Segunda’ e ‘Suvaco de Cristo’ que, na década de 1980, vinculavam o Carnaval à luta pela redemocratização, à anistia, à volta dos exilados, à campanha das Diretas Já. A Caprichosos de Pilares [escola de samba do Rio de Janeiro] desfilou na avenida, em 1985, pedindo eleições diretas. O Carnaval não é uma festa da alienação. Ele é uma festa politizada e tem que ser trabalhado nessa dimensão.”

Muitas outras músicas foram afetadas pelo contexto político da época. Luiz menciona o samba-enredo “Heróis da Liberdade”, do Império Serrano, de 1969. Segundo o historiador, a letra da música precisou ser modificada por conta da censura durante a ditadura militar no Brasil, que forçou a troca da palavra “revolução” por “evolução”. 

“Carnaval é transdisciplinar”

Com essa frase, o historiador defende que é possível trabalhar o evento em diferentes disciplinas e faixas etárias. Confira a seguir exemplos de como o Carnaval pode ser trabalhado na escola: 

Geografia: 

  • trabalhar letras de samba-enredo que falam sobre a natureza e regiões brasileiras;
  • ocupação do espaço urbano; 
  • surgimento dos blocos carnavalescos e escolas de samba a partir da expansão das cidades para subúrbios e periferias; 
  • processos de favelização;
  • “É possível trabalhar as escolas de samba que surgem nesse contexto, redimensionando a vida nas comunidades, como é o caso de Mangueira e Salgueiro”, cita Luiz.

História:

  • surgimento das escolas de samba e dos blocos de rua tendo em vista o contexto social e político da época;
  • tradições carnavalescas em diferentes regiões do Brasil;
  • como o Carnaval reflete os problemas sociais do país;
  • grandes personalidades que marcaram o Carnaval.

Sociologia:

  • considerando a economia criativa do Carnaval, é possível discutir questões relacionadas ao trabalho. 

Artes:

  • fantasias, adereços e moda dos desfiles.

Língua Portuguesa:

  • interpretação de texto a partir das letras de samba-enredo. 

Educação Física:

  • conexão entre um samba-enredo – que pode ser trabalhado em outras disciplinas – e a coreografia de determinada escola de samba; 
  • ensaio das coreografias de diferentes alas da escola de samba; 
  • estudo e prática de diferentes gêneros e estilos além do samba, como frevo, axé e marchinhas;  
  • incentivar que estudantes montem suas próprias coreografias; 
  • promover desfiles pela escola.

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