Adaptar processos avaliativos durante aulas remotas ajuda a engajar estudantes
Professores e escolas estão se organizando de milhões de formas diferentes para minimizar os efeitos do distanciamento social: desde aulas remotas das 7h às 13h, até as atividades online, grupos de estudo no WhatsApp e Facebook, apostilas físicas de exercícios e mais um leque de opções. Diante de tantas possibilidades, é possível organizar um processo avaliativo com aulas neste formato? Se sim, como deve ser feito? Em que deve prestar atenção? Como apoiar os alunos e avaliar a aprendizagem mesmo sem a presença física?
Para José Moran, doutor em comunicação, professor de Novas Tecnologias na Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores da Escola do Futuro, usar o bom senso para pensar em um modelo avaliativo que converse com o momento atual é fundamental, não só para avaliar como os estudantes estão recebendo as propostas pedagógicas, mas também se essas são estratégias adequadas atualmente.
Segundo o especialista, uma ferramenta simples é o ato de registrar, que pode apoiar a construção de um portfólio, linha do tempo ou histórico de como as propostas pedagógicas foram desenvolvidas desde março, com a suspensão das aulas presenciais. “Precisamos ter flexibilidade, bom senso e humanidade no sentido de olhar afetivamente para todo esse processo e, ao mesmo tempo, encontrar alternativas de registro sobre o que está acontecendo.”
A percepção de escolas e professores sobre a mudança das circunstâncias é fundamental para que novas metodologias, seja de ensino ou avaliação, sejam elaboradas. Isso porque, segundo Moran, a tentativa de reprodução de modelos muito planejados e previsíveis, sobretudo para o modelo presencial de ensino, são como “caminhos para o desastre”, com grandes chances de desmotivar os estudantes que, por exemplo, não conseguirem acompanhar as aulas.
“Precisamos entender que não é como se o professor dissesse ‘ministrei tais aulas, vou cobrar isso na avaliação’ e pronto e acabou. Isso já é um contrassenso pedagógico no presencial, imagina agora. Estamos vivendo um período muito estranho e o professor precisa ter uma sensibilidade enorme para manter o aluno no grupo, para que ele se sinta confortável e acolhido”, explica.
Como adaptar a avaliação?
Segundo José Moran, as três formas clássicas de avaliar podem ser adaptadas para o momento. Na avaliação diagnóstica, por exemplo, é possível que, antes de começar as aulas, os docentes separem alguns minutos para conversar e perguntas como os alunos estão se sentindo ou se estão enfrentando algum tipo de dificuldades. Outra ideia é criar formulários com perguntas simples, com o objetivo de entender se a turma está entendendo as aulas, acompanhando, se o modelo faz sentido para todos. “Essa primeira dimensão é muito importante para que passemos um tempo calibrando as atividades, buscando entender os alunos e se nossas propostas fazem sentido.”
A avaliação formativa, por sua vez, “vai se formando aos poucos com o desenvolvimento das aulas e das atividades reflexivas”, explica o professor. É nessa etapa que devem ser introduzidos quizzes (questionários interativos), desafios e atividades para verificar se os alunos estão acessando os materiais disponibilizados e se estão se engajando. “O portfólio é uma ferramenta chave nesse processo de enxergar a linha do tempo e como os estudantes se expressam, além de questioná-los se entenderam o conteúdo e se mudariam alguma coisa.”
Por fim, a avaliação para aprendizagem existe para apoiar o professor a visualizar se as estratégias adotadas estão funcionando para levar os alunos ao ponto desejado. “Existem ferramentas específicas para criação de rubricas de avaliação ou, se aquele professor propôs um trabalho em grupo, pode sugerir que os estudantes avaliem uns aos outros”, exemplifica Moran.
O desafio do acesso na educação para todos
Segundo o especialista, um dos principais pontos de atenção é a questão do acesso à internet, um desafio principalmente em escolas públicas do Brasil. Para aqueles que precisam dividir o aparelho com irmãos ou com os pais, por exemplo, ou famílias que têm baixo acesso à web, Moran reforça a necessidade de as escolas, juntamente com seus times pedagógicos, pensarem em alternativas de distribuição e devolutiva de atividades.
“Temos que ter muito cuidado ao fazer uma avaliação igual para todos. Isso não faz sentido”, afirma Moran. Para explicar seu pensamento, cita uma ilustração onde um professor, na frente de um pássaro, um macaco, um pinguim, um elefante, um peixe, uma foca e um cachorro, afirma: “Para uma seleção justa, todos farão o mesmo exame: escalar aquela árvore.”
A charge ilustra algo que ainda não é amplamente percebido e colocado em prática na educação: o fato de que o desempenho de estudantes não pode ser avaliado da mesma forma considerando que cada um dispõe de diferentes ferramentas para se desenvolver, além de serem pessoas únicas com características particulares.
Flexibilizar é a palavra
As mudança necessárias nas avaliações durante esse momento de aulas à distância podem ser resumidas na palavra flexibilização. Sugerir atividades mais práticas, propor conteúdos mais leves e desafios com períodos mais flexíveis pode ser uma oportunidade para avaliar outros quesitos, como colaboração, resiliência e gestão de tempo do estudante, exemplifica o especialista.
Para crianças mais novas, por exemplo, são aconselhadas atividades com o que Moran chama de entregas menores, ou seja, pequenos projetos como pesquisas breves ou fotografar objetos dentro de casa que podem ser desenvolvidos durante uma manhã. “São exercícios que fazem mais sentido do que projetos que exigem muito tempo, pois esses pressupõe maturidade e autonomia que muitos ainda não têm.”
O desenvolvimento de uma avaliação afetiva, onde alunos possam realmente relatar e construir histórias também constitui uma possibilidade. Nesse sentido, Moran destaca que uma ideia é que professores questionem os gostos e preferências dos estudantes. É possível, por exemplo, propor a produção de vídeos usando aplicativos semelhantes ao TikTok. “Os alunos sentirem que estão coproduzindo algo com a linguagem que eles usam é importante. Ou seja, trabalhar com a ideia dos estudantes usando as mídias do seu próprio cotidiano é algo que dá vida e engajamento às propostas. Ao invés de pedir algo mais tradicional, o professor pode pensar em usar estratégias de comunicação que os estudantes já dominam. Mas, para isso, é necessário falar e perguntar a eles.”
Para o professor, se antes da pandemia já se discutia a ideia de personalizar ensino e processos avaliativos, o processo torna-se muito mais necessário no contexto atual. “Talvez a principal mensagem seja não fazer algo rígido, único e fechado. O professor rígido está na contramão de um momento que precisa de muita compreensão, afeto, acolhimento e um repertório diversificado.”
Foto: jcomp/Freepik
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