Pandemia e saúde mental têm relação com aumento do número de conflitos nas escolas

Ilustração de uma escola com dois alunos (em média 9 anos) de costas um para o outro em situação de conflito e a professora com um balão de pensamento que contém duas mãos dadas e um coração como referência a harmonia e união no ambiente escolar.

Divisão de responsabilidades, assembleias de estudantes e funcionários, vivências ao ar livre e educação integral são alguns caminhos para evitar brigas e desentendimentos entre crianças e jovens 

“Quando falamos sobre brigas e desentendimentos entre estudantes e adolescentes, estamos falando de uma questão multicausal.” A fala de Beatriz de Paula Souza, psicóloga coordenadora do Serviço de Orientação à Queixa Escolar (OQE) do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), define a situação que inúmeras escolas estão vivendo com a retomada das aulas presenciais depois de um longo período de salas de aulas fechadas. 

Diretores, coordenadores e educadores estão recebendo um número cada vez maior de crianças e jovens com a saúde mental fragilizada depois de quase dois anos de aulas remotas, o que, frequentemente se reflete no aumento do número de brigas, discussões e desentendimentos durante as aulas. Esse é um dos fatores que Beatriz aponta como dificultador de todo o cenário, já que a pandemia afetou a todos, adultos e crianças, e elevou de forma generalizada os índices de ansiedade. 

Efeitos da pandemia

Mesmo que a população esteja, de forma geral, mais ansiosa diante do cenário incerto imposto pela chegada do coronavírus, Beatriz aponta que é importante fazer distinções ao reforçar que populações em situação de maior vulnerabilidade social sofrem desproporcionalmente os efeitos adversos da pandemia. 

A psicóloga cita um leque de fatores estressantes, como mais mortes entre as camadas mais empobrecidas da população, mais desemprego, o aumento da fome e muitos outros. A esses, soma-se também o temor pelo vírus, que teve um impacto direto nas relações interpessoais. 

“Aprendemos a ter uma relação muito ambígua com as outras pessoas. Se por um lado muitos de nós estão com saudades de poder estar em contato direto, por outro, aprendemos que os outros são perigosos, são fonte de temor, de adoecimento a partir da transmissão de uma doença que pode ser letal. E isso não foi por dois meses, foi por um período muito prolongado, o que deixa marcas”, explica Beatriz. 

Macroambiente

A Orientação à Queixa Escolar (OQE) é uma abordagem de atendimento psicológico a pessoas (crianças e adolescentes em sua maioria) que estão enfrentando dificuldades e sofrimentos na vida escolar. Entretanto, apesar de tratar de questões que os estudantes estão enfrentando na escola, Beatriz comenta sobre a importância de um olhar mais amplo, o que inclui o princípio da integralidade, por exemplo. 

“Sempre que estamos diante de uma situação de queixa escolar, nós entendemos que nunca se trata apenas do indivíduo que briga com os colegas ou que não consegue acompanhar o ritmo da turma. Temos sempre que ter em mente que existe uma rede de relações e devemos intervir ao máximo com a rede toda em seu aspecto horizontal e vertical, ou seja, o presente e como ele foi construído, para fazer uma intervenção que dê conta”, pontua Beatriz. 

Também está no macroambiente o próprio funcionamento da escola, que, em muitos casos, pode ser um fator estressante para os estudantes. Em abril, por exemplo, mais de 20 estudantes sentiram desconfortos simultaneamente e precisaram ser atendidos por ambulâncias em uma escola de Recife (PE). Situações como essa, de ansiedade coletiva, podem ser desencadeadas, por exemplo, explica Beatriz, por provas e testes. 

“Nós sabemos que muitas escolas estão procurando fazer diversas avaliações porque durante a pandemia vários estudantes perderam o contato, não sabem o que aprenderam ou não, qual foi o ritmo de aprendizado. Mas isso tem sido extremamente estressante não só para alunos, mas para professores também. Acredito que tem pouca consideração sobre as circunstâncias em que estão sendo realizadas essas avaliações e como professores e estudantes estão passando por elas emocionalmente.” 

Quando atuar?

Quando o assunto é em que momento atuar, Beatriz ressalta o potencial da adoção de práticas de educação integral preventivamente, isto é, antes de acontecer qualquer tipo de conflito. “Mais do que nunca, as escolas estão sendo convidadas a fazer o que tanto se fala: ter uma proposta de ensino focada em educação integral, ou seja, que considere a integralidade dos seres que estão na escola.” 

Com isso, a psicóloga reforça a importância de ir além de aspectos cognitivos e considerar também as necessidades emocionais, corporais, de sociabilidade e espirituais no sentido do sagrado, da transcendência (que é diferente de religião). 

O que fazer?

Para Beatriz, uma das principais medidas que escolas podem utilizar para trabalhar coletivamente questões e desafios é prover experiências expressivas e elaborativas. A psicóloga conta que, quando integrou uma equipe do Instituto de Psicologia da USP que atuou na escola em Suzano na época da tragédia – quando oito pessoas foram mortas e 11 feridas –, uma medida que deu bons frutos foram as rodas de conversa, pois uns acolhem e entendem os outros e a natureza coletiva de seus sofrimentos se evidencia. 

Outro caminho potente segundo Beatriz é a provisão de momentos e experiências de prazer e alegria compartilhados, o que propicia bons vínculos e tende a diminuir atritos. Essas vivências podem acontecer, por exemplo, proporcionando contato com a natureza  e ao ar livre. “A escola não precisa acontecer toda fechada e confinada aprofundando um sofrimento que já existia antes da pandemia e que só se intensificou. Nós somos seres de natureza, precisamos do contato com ela”, explica, defendendo a importância, até mesmo do ponto de vista de menor índice de transmissão do vírus, de aulas nos espaços abertos das escolas e em parques, praças e hortas. 

Parcerias e participação

Aproveitar as ideias e sugestões dos estudantes – que podem ser colocadas principalmente em momentos como assembleias – e não centralizar na figura do professor e do gestor toda a responsabilidade de encontrar uma solução para eventuais conflitos são outros pontos importantes a serem considerados. “A democracia é o caminho. Deve-se tomar decisões compartilhadas, promover a descentralização e incentivar a responsabilidade coletiva”, completa Beatriz.

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