Escolas estão trocando o Dia das Mães e dos Pais pelo Dia da Família. O que está por trás dessa decisão?

Famílias de diferentes configurações com as crianças realizando atividades na escola: uma avó com o neto montando a rabiola, dois pais com o filho soltando pipa e um pai solo com o filho desenhando

Para especialista, acolhimento de todas as famílias e suas configurações e realidades é fundamental para o processo educacional. Cada estudante deve se reconhecer como parte da escola e comunidade  

Crianças com dois pais, ou duas mães, com uma madrasta ou padrasto, ou que os pais já faleceram ou não estão presentes em suas vidas. Crianças criadas pelos avós, tios ou tias ou por um conhecido da família. Os cenários são inúmeros e, por isso, cada vez mais escolas estão adotando o Dia da Família e deixando de lado comemorações específicas, como o Dia das Mães e Dia dos Pais, este último celebrado em agosto. 

Maria Rebeca Gomes, coordenadora do setor de Educação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, defende que a menos que a escola celebre todos os dias de todos os atores presentes nos núcleos familiares em suas diversas configurações, deve-se incentivar a celebração do Dia da Família, com o objetivo de que todos sejam contemplados e os alunos se sintam acolhidos. 

“O estudante deve se reconhecer como parte da escola e da comunidade, sabendo que aquele espaço foi idealizado para sua formação como ser humano, o que pode contribuir para a melhora das suas condições de vida”, explica. 

Papel da família

Para falar sobre as responsabilidades e participação da família na criação de crianças, Rebeca cita o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que, em diferentes parágrafos, fala sobre a responsabilidade da família em assegurar com prioridade a efetivação do direito à educação, saúde, alimentação, lazer e esporte. 

“Isso não significa apenas matricular a criança na escola, mas sim que as famílias estejam inseridas no acompanhamento escolar, no desenvolvimento das atividades intelectuais, culturais e sociais dos alunos, bem como façam parte da construção do currículo escolar”, afirma a coordenadora. 

Ou seja, não se trata de ‘cumprir’ uma agenda de compromissos e datas comemorativas na escola, frequentar o espaço somente para resolver questões burocráticas ou receber advertências sobre os filhos. “Os cuidadores podem também aprender e desenvolver habilidades, apropriando-se do espaço escolar, assim como podem colaborar com os seus conhecimentos e vivências para a formação dos alunos.” 

Acolhimento

Para que se efetive essa participação e as famílias tenham de fato vontade de integrar as atividades e processos da escola, Rebeca aponta que o sentimento de acolhimento é imprescindível. 

“Acolher os diversos núcleos familiares, ouvir suas opiniões sobre o desenvolvimento das atividades escolares e suas sugestões de melhoria é também um papel fundamental que precisa ser desenvolvido pela escola para que as duas instituições – família e escola – possam trabalhar juntas no desenvolvimento educacional.” 

Essa boa relação interfere no aprendizado de crianças e jovens, uma vez que a educação não é responsabilidade restrita da escola, envolvendo a sociedade como um todo – a escola, a família e outros ambientes – no desenvolvimento humano. 

“A acolhida da família pela escola é fundamental no processo participativo e proativo de familiares, pois conteúdo passado não significa estar sendo internalizado pelo aluno. Quando o aluno é acompanhado em casa durante o seu processo educacional, entendemos que há acolhimento e incentivo de familiares para que o conteúdo seja internalizado e que aquele aluno continue os seus estudos para que se desenvolva plenamente no futuro.” 

O que fazer em datas comemorativas?

Existem algumas dicas para que as escolas não errem ao comemorar datas como o Dia dos Pais e o Dia das Mães. 

Considerar as diferentes e inúmeras configurações familiares é uma delas. É importante pensar em todos os alunos e como eles se sentirão com determinada atividade. 

Uma possibilidade é realizar uma pesquisa no início do ano letivo para que a escola tenha essas informações mapeadas. Rebeca afirma que entender as famílias-mosaico e os diferentes papéis existentes em núcleos familiares diversos faz com que o ensino seja adequado ao universo do estudante. 

“Uma família composta por duas mães ou dois pais precisa receber acolhimento da escola e um ensino sem homofobia. A escola precisa desenvolver mecanismos de conscientização estudantil e familiar para que os jovens e as crianças vindas de tais núcleos não se sintam excluídas ou sejam vítimas de preconceito”, exemplifica a coordenadora, citando a importância de um olhar cuidadoso.

Caso algum aluno não queira participar da proposta, é importante respeitar sua decisão e individualidade, não atrelando qualquer tipo de avaliação à atividade. 

Outro ponto trazido por Rebeca é a realização de reuniões e encontros para debater as propostas e conceitos apresentados aos estudantes, bem como sessões de acolhimento e escuta de familiares, para que, junto à escola, possam estruturar mecanismos para que o pleno desenvolvimento educacional possa acontecer de forma inclusiva, considerando as diversas realidades dos alunos.

“Sendo a educação uma prática social com o intuito de desenvolver habilidades e competências no ser humano, é essencial que os processos educacionais incluam todas as famílias e suas realidades”, completa. 

Respeitar a intimidade da criança ou do jovem e não divulgar informações sigilosas ou pessoais sobre seus familiares são outros cuidados a serem observados. 

Novas tecnologias 

Durante a pandemia de Covid-19, muitas escolas recorreram ao WhatsApp para manter a comunicação com alunos e suas famílias. Com isso, pais, mães e responsáveis ficaram mais próximos de educadores e da educação de seus filhos. Para Rebeca, o uso de novos tecnologias pode ser, justamente, o diferencial no processo de trazer a família para mais perto da escola. 

Importante observar, entretanto, que o acesso a aparelhos e à internet ainda está longe de ser uma realidade no país inteiro. 

Para além da tecnologia, a coordenadora cita outras medidas possíveis: 

– Abertura para debates e acompanhamento escolar das famílias; 

– Construção conjunta do plano político-pedagógico da escola; 

– Escuta ativa de familiares; 

– Identificação de núcleos que necessitam ser acolhidos; 

– Alterações de conceitos enraizados sobre como desenvolver atividades intelectuais em conjunto.

Saiba mais!

Acolher é a chave! Optar pelo Dia da Família como data comemorativa que considera a diversidade de configurações familiares é uma forma de acolhimento.

Esse tema é abordado no novo curso da Vivescer, com dicas de atividades práticas para promover o acolhimento e o bem-estar no ambiente escolar. Confira!

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