A importância de adotar práticas antirracistas nas escolas

Acolhimento de alunos negros, valorização dos saberes e combate ao racismo são ações e medidas que devem compor um currículo antirracista. Saiba como começar ou reforçar essas práticas dentro e fora da sala de aula 

Muito se fala no racismo estrutural, aquele que não só está presente na própria constituição da sociedade, mas que estrutura as relações humanas da forma como são hoje. Também se fala sobre o genocídio da juventude negra: dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 mostram que 77,9% das vítimas de assassinatos no Brasil em 2021 eram negras, 50% tinham entre 12 e 29 anos e 91,3% eram homens. 

Diante de um cenário grave, um dos caminhos mais promissores para criar gerações antirracistas, que condenam atitudes discriminatórias com base na cor da pele, é o investimento na educação. Levar a cultura africana e afro-brasileira para dentro de sala de aula é, inclusive, um movimento que encontra respaldo na lei. As leis 11.645/2008 e 10.639/2003, por exemplo, apontam a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e médio, incluindo: o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 

Gabriella Fontes, pedagoga, advogada e pós-graduanda em Arte na Educação, ressalta, ainda, que documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais e a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) apontam a importância da formação integral do sujeito, “o que vai muito além da preparação para o vestibular e para o mercado de trabalho, que considera a importância das relações interpessoais e da formação para a cidadania.” 

“Reconhecer e valorizar os diferentes grupos étnicos presentes em nossa sociedade e não apenas contribuições de pessoas brancas é fundamental para expor as desigualdades estruturais que perduram em nosso tecido social. Abrir diálogos democráticos é uma forma de dar voz aos que vivenciam o racismo diariamente. Esses debates têm o objetivo da compreensão e aceitação do outro, com suas diferenças e necessidades, e a educação sempre será a porta principal para a aceitação de todos”, completa Luana Moscoso, psicóloga e pós-graduanda em neuropsicologia, Transtorno do Espectro Autista e inclusão social escolar. 

Currículo e formação de professores 

Explicar que a questão racial não é um tema exclusivo para pessoas negras é o grande desafio, segundo Larissa Abreu, mestra em psicologia e Elisabeth Gomes, supervisora de Projetos Especiais da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão, que defende a importância de a problemática ocupar um lugar de centralidade ao longo de todo fazer escolar, enquanto elemento estruturante de modelos e currículos. 

Para Gabriella, para que seja possível formar sujeitos inclusivos, capazes de intervir e de transformar a realidade e atentos à promoção da justiça social, tudo isso no âmbito de um currículo decolonial e antirracista, é necessário ir além de datas como o Dia da Consciência Negra ou de reservar um momento do ano para debater questões raciais. Ou seja, é importante repensar todo o currículo. 

“Precisamos questionar a estruturação do currículo do início ao fim, questionando os motivos de algumas escolhas ou silêncios”, defende. Dessa forma, promover reflexões e melhorias na formação de professores é essencial, uma vez que muitos educadores tiveram uma formação inicial deficitária nesse tema. Uma formação adequada ajudaria, por exemplo, a ter ferramentas para abordar questões raciais desde cedo. 

“Já na educação infantil, as crianças negras sofrem e percebem racismo. Ainda é comum ouvirmos “me passa o lápis cor da pele?”. O que é cor da pele? Podemos começar a questionar essa fala com as crianças pequenas. Isso também é currículo, as intervenções cotidianas, as escolhas que fazemos. Por isso a formação continuada dos professores é tão importante”, aponta Gabriella. 

Autoestima, autoconfiança e saúde mental

Segundo a pesquisa Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016, do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília, em 2016 o risco de suicídio foi 45% maior entre adolescentes e jovens negros comparados aos brancos. Nesse sentido, desenvolver práticas de cuidado da saúde mental desse público se torna ainda mais importante. 

Larissa e Elisabeth pontuam que as práticas de racismo no cotidiano geram profundos impactos para a construção da subjetividade de pessoas racializadas. Ele dificulta que jovens negros se desenvolvam de maneira positiva quanto a própria imagem, autoestima, amor-próprio, além de diversos prejuízos sociais nos campos econômicos, culturais, educacionais, de saúde e tantos outros, impedindo o exercício pleno da cidadania. 

“Existe, nessa população, a prevalência de diversos sofrimentos e adoecimentos psíquicos provenientes das vulnerabilidades econômicas e psicossociais sofridas por pessoas negras, destacando-se a ansiedade, depressão, pânico, sentimentos de culpa e vergonha, hipervigilânica, auto-ódio e outros, com destaque para esse último, que nasce por sentir-se falho, menor, ou sem qualidades diante dos privilégios da branquitude”, apontam.

Nesse contexto, a formação e o fortalecimento de uma identidade étnico-racial são indicados como uma estratégia relevante para lidar com o sofrimento gerado pelo racismo.

Representatividade 

Para Gabriella, é papel da escola fazer um contraponto ao senso comum, que tende a não dar visibilidade e reconhecer as conquistas de profissionais negros. 

Ou seja, se devido a formação sócio-histórica do país, pessoas negras foram destinadas a piores postos de trabalho e se a mídia dita estereótipos de beleza que subjugam o corpo negro, é na escola que crianças e jovens devem ter a oportunidade de conhecer outra realidade a partir da representatividade. 

“Apresentar personalidades negras aos estudantes significa, inclusive, oferecer referências às crianças e jovens negros de que a vida deles não precisa ser o que a sociedade racista dita. É importante para auxiliar na construção da autoestima, da autoconfiança dessas crianças e jovens”, afirma a pedagoga, que também aponta a importância de a discussão sobre a representatividade negra estar atrelada à conscientização sobre a formação sócio-histórica do país. 

Além disso, também reforça a importância do papel do movimento negro, que historicamente tem encabeçado movimentos pela garantia de direitos fundamentais e conquistas legais de pessoas negras, bem como o reconhecimento de cientistas, escritores, pesquisadores e artistas negros. Para Larissa e Elisabeth, esse reconhecimento da potência, cultura e criatividade do povo negro pode partir dos próprios estudantes e de suas famílias, como também do reconhecimento de regiões e territórios brasileiros. 

“Nossas periferias são constituídas de bairros fundamentalmente negros, repletas de práticas, estéticas e saberes da negritude, tais como a cultura de rua do hip hop, do rap, do reggae, do grafite, do bumba-meu-boi, das trancistas, dos blocos de carnaval, dos terreiros, dos tambores de crioula, da capoeira, e tantas outras formas de resistência da cultura negra brasileira. Enxergar e amplificar a potência da cultura produzida nesses espaços ocupados por nossos alunos é uma maneira de fortalecimento da autoestima e da autoconfiança”, explicam. 

O que fazer?

Confira a seguir algumas dicas sobre práticas antirracistas nas escolas: 

Perguntas a serem feitas na escola para problematizar o racismo: 

– Onde estão as pessoas negras na escola? 

– Eles estão dentro da escola? 

– Que cargos eles ou elas ocupam?

– Existem estudantes, professoras e coordenadoras negras e negros?

Entre as estratégias que combatem o racismo, estão: 

– Combate às violências cotidianas contra subjetividades de pessoas negras; 

– Combate de todo e qualquer tipo e indício de racismo recreativo;

– Atendimento psicológico de pessoas vulneráveis. 

Valorização de pessoas negras: 

– Construção de práticas de valorização constante da negritude na escola; 

– Validação e estímulo à negritude; 

– Incentivar a participação de alunos negros em atividades escolares; 

– Valorizar saberes e produções de alunos negros; 

– Valorização das culturas de bairros e regiões fundamentalmente negros; 

– Amplificar a potência da cultura negra brasileira;

– Reconhecer as realizações dos alunos; 

– Evitar comparações.

Medidas que possibilitam e apoiam os debates: 

– Espaços de fala; 

– Palestras motivacionais; 

– Debates com especialistas; 

– Conversas com profissionais negros; 

– Criação de projetos de vida que abordem o tema da negritude; 

– Rodas de conversa sobre racismo; 

– Sessões de filmes que tragam o tema; 

– Assembleias de estudantes, de funcionários e assembleias gerais.

Saiba mais!

Uma das práticas antirracistas que fortalecem a autoestima dos alunos negros é abordar a construção e afirmação da identidade racial na juventude. Por isso, a Vivescer preparou um PDF com atividades para promover a reflexão sobre a questão da beleza negra com os alunos do Ensino Médio. Acesse AQUI!

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