Pandemia reforçou a importância e a potência do contato com a natureza

Distanciamento social produz efeitos prejudiciais à saúde de todos, principalmente de crianças. Conheça alternativas para diminuir o peso da quarentena.

É bem verdade que os seres humanos têm perfis e gostos individuais. Mas é praticamente unanimidade a sensação de bem-estar proporcionada por um dia passado ao ar livre, com os pés na grama ou na areia, respirando ar puro e em contato com a natureza. O distanciamento social, entretanto, impediu que milhares de pessoas no mundo todo pudessem ter esse contato tão essencial.

Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social, explica que a pandemia deixou ainda mais óbvios os impactos provocados pela falta de contato com a natureza, como ansiedade, depressão e até dificuldades de interação. Para ela, apesar de ser parte da vida, ao longo do tempo a humanidade tem se desligado dos ecossistemas naturais e assumido uma posição de agressora.

“Conviver com a natureza é saudável do ponto de vista fisiológico. Estamos vendo agora o quanto isso faz falta. Uma criança passa horas entretida quando está brincando com areia, água, pegando folhas ou observando uma trilha de formigas. Podemos achar que são horas perdidas, mas não são, pois ela está construindo ideias, usando os sentidos, e pensando como usa os elementos no jogo simbólico. É uma perspectiva mais gratuita de lidar com a natureza do que a perspectiva utilitária que nós geralmente temos”, explica.

Essa interação com os ambientes naturais possibilita o desenvolvimento das crianças em termos sociais, cognitivos, motor e da sensibilidade, o que não é possível por nenhum outro estímulo, defende a especialista. O Começo da Vida 2 – Lá Fora, filme produzido antes da pandemia de Covid-19, passeia por diferentes países mostrando que as crianças são as mais atingidas por processos de urbanização, por exemplo, que retiram o verde e o trocam por cimento, impondo a reclusão em espaços menores.

Ao mesmo tempo que aborda o tema de forma prática e com uma linguagem acessível, o filme mostra, de forma poética, imagens da simplicidade de crianças interagindo com os elementos da natureza, como um bebê pulando em poças de água da chuva e uma criança boiando em um riacho. Com o apoio de especialistas brasileiros e internacionais, a produção aponta que somente se as crianças estiverem vivenciando a natureza é que poderão amar o meio ambiente e, assim, construir uma relação em que se sentem parte da natureza e, não apartados dela, permitindo que a sua preservação ocorra espontaneamente.

 

É possível contornar a quarentena em prol da natureza?

O distanciamento social foi adotado não só no Brasil, mas em inúmeros países como forma de diminuir a contaminação pela Covid-19. É claro que não se deve ultrapassar bloqueios em praias ou desobedecer a decretos públicos. Entretanto, Maria Thereza aponta que é possível encontrar algumas alternativas para diminuir minimamente o peso da quarentena e proporcionar, principalmente às crianças, algum tempo na natureza.

“Se você mora em ambientes abertos, naturais e sem aglomeração, ir para fora tem que ser incentivado mesmo. Ou, por exemplo, ir para a praia em um horário que não tenha ninguém e que fique só você, de máscara, com a sua criança, tomando todos os cuidados. Eu acredito que devemos favorecer toda e qualquer oportunidade de estar na natureza, respeitando os decretos e escolhendo horários com menos gente”, explica.

E para aqueles que moram em cidades sem praia, longe de parques e praças? Inegavelmente, esse é um cenário mais desafiador. Mas também existem opções temporárias para esse momento de crise. Uma delas é aproveitar que as crianças estão passando mais tempo em frente a telas, seja da televisão, tablet ou celular, e propor programas educativos que tenham a natureza como tema central.

Maria Thereza cita programas do canal National Geographic, e também o filme Professor Polvo, que traz a reflexão de um homem que passa a mergulhar todos os dias para ter contato com um polvo e, assim, faz reflexões sobre a relação do ser humano com a natureza. “Já que as crianças estão na tela, pelo menos você cria uma oportunidade para que a natureza chegue até elas nesse lugar de pertencimento e aprendizagem.”

A outra opção é usar pequenos espaços para proporcionar o contato com areia, água, terra e outros elementos. Em um passeio perto de casa, é possível recolher folhas que, em casa, podem virar construções diferentes. A brincadeira com argila também traz inúmeras possibilidades, inclusive de a criança trabalhar seus sentidos. Ou, ainda, pais e responsáveis podem propor a criação de pequenas plantações, seja em um canteiro ou em vasos, que é a proposta principal do projeto TiNis – Terra das Crianças.

A iniciativa do Instituto Alana e Gisele Bündchen tem como objetivo fortalecer e estimular o contato e o vínculo emocional da criança com a natureza, a partir da criação de um espaço verde para brincar, aprender e vivenciar. ‘TiNi’ é o nome dado ao cultivo de plantas em pequenos espaços. São necessários, pelo menos, três vasos para a prática.

 

Uma nova escola pós-pandemia

Com uma longa trajetória na educação, Maria Thereza diz que o movimento defendido por ela e por outros especialistas no tema para derrubar, simbolicamente, os muros da escola, isso é, possibilitar cada vez mais participação da comunidade e integrar a escola ao território ao qual pertence, ganha novos contornos diante da pandemia.

“A pandemia ajudou a mudar a concepção física e arquitetônica das escolas, que precisam ter mais espaços abertos, áreas que sejam naturais com areia, planta e grama. A escola não deve mais ser só o prédio ou a quadra cimentada. Agora estamos falando de, literalmente, tirar o muro, a porta, a janela e abrir a escola. Sempre foi, mas agora, mais do que nunca, inimaginável uma escola que não tenha uma área externa e natural”, aponta Maria Thereza, reforçando que os espaços abertos tornaram-se uma demanda de saúde.

Além disso, a especialista também reforça o papel do poder público nesse contexto, de praticar a limpeza urbana para que crianças e jovens possam vivenciar os espaços no entorno das escolas com segurança. “Ao invés de tanto viaduto, asfalto e via expressa, vamos fazer parques e praças para as pessoas viverem e conviverem e para as escolas usarem. No meu mundo ideal, deveria ter praças perto de cada escola, para que aquilo fosse uma extensão do trabalho pedagógico.”

Apesar de acreditar que as crianças representam, sim, uma nova chance para a humanidade e para um mundo mais sustentável, Maria Thereza pontua que é importante que os adultos considerem suas responsabilidades nesse processo e passem a fazer as coisas de forma diferente. “Não posso imaginar que, do nada, vai surgir um ser que ame a natureza se ele conviver, desde o nascimento, em um lugar que deteste, agrida, não respeite e não valorize a natureza. A criança é sempre um potencial, é sempre esperança, mas ela nasce em uma cultura e vai crescer e se desenvolver nessa cultura. Por isso, ela só vai fazer diferente se nós a ajudarmos a fazer diferente. Então, a mudança tem que começar na gente.”

 

* Conteúdo em parceria com Porvir

 

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