Pandemia, gripe, eleições e Copa do Mundo: as pautas e desafios para a Educação em 2022

Em entrevista à Vivescer, Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, explica como conectar os acontecimentos de fora da escola com o aprendizado dos alunos

Tudo indica que o início do ano letivo de 2022 ainda vai ser, em algum grau, tumultuado pela nova variante da Covid-19 e também pela gripe H3N2. Por isso, escolas e educadores devem renovar os estoques de calma e manter a resiliência, bem como os cuidados indicados pelas autoridades de saúde para que seja possível retornar de forma segura às escolas. 

Além dos desafios na área da saúde, o ano de 2022 também trará outras pautas importantes, como as eleições e a Copa do Mundo. Esses assuntos podem e devem ser debatidos com estudantes de todas as idades, em um movimento de conectar o que acontece fora da escola com o que crianças e jovens estão aprendendo. 

Confira a seguir entrevista com Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, sobre as perspectivas para 2022 na Educação. 

Vivescer: Quais serão alguns dos principais desafios que as escolas enfrentarão nesse novo ano letivo? 

Claudia: Houve o agravamento da aprendizagem e um aprofundamento da desigualdade educacional que já eram grandes antes da pandemia. A instituição escolar, com apoio de boas políticas públicas, terá que se organizar para dar atenção tanto para a saúde mental das crianças e jovens, quanto para resgatar aprendizagens perdidas, que não foram pequenas. Entretanto, nós, educadores, precisamos ter a humildade de entender que quem deve ser ouvido para tomar a decisão do retorno à escola são os epidemiologistas. 

Vivescer: Quais mensagens as escolas podem passar para famílias e estudantes nesse momento? Como manter a resiliência? 

Claudia: Durante a pandemia, apesar de todas as dificuldades, de alguma maneira uma relação entre escola e família foi criada. Um exército de professores foi para a linha de frente, muitos deles orientando as famílias sobre como lidar com a aprendizagem remota, com as tensões, desinteresse e desengajamento. Temos que construir em cima dessa aprendizagem que tanto famílias quanto professores tiveram, considerando que muitas famílias perceberam que ser professor é uma profissão complexa e que pais e mães são educadores, mas não são professores. Então, minha mensagem para as famílias é: confiem na escola e vamos manter o diálogo que construímos nesse período. 

Vivescer: Sabemos que os professores viveram uma multiplicidade de questões durante a pandemia. Além do acolhimento, como as escolas podem receber suas equipes docentes nesse novo ano letivo? 

Claudia: Apesar de toda a tensão vivida, os professores conseguiram se repensar profissionalmente. Descobriram novas formas de chegar aos alunos e às famílias, se redescobriram com talentos que não imaginavam para dar aulas usando plataformas e novos recursos. Por isso, será muito importante que o professor aproveite esse momento para desenvolver uma coisa que nem sempre lhe é permitida, que é ter o direito de ter orgulho profissional. Há uma narrativa de vitimização do professor, que é super bem intencionada, de olhar com empatia para o professor nas suas dificuldades, mas as pessoas falam dos médicos com admiração e respeito profissional e dos professores como uma pessoa de quem temos pena e não respeito. Em sua maioria, os professores se mostraram potentes frente a esse desafio. Ser professor é ter a mais complexa das profissões, e eles podem ter respeito profissional e autoadmiração.  

Vivescer: A evasão escolar é um tema que está em alta, considerando a grande chance de um número de jovens não retornarem à escola. Quais são algumas atitudes, ações e iniciativas que podem ajudar na recuperação desse vínculo entre estudantes e o sistema educacional? 

Claudia: Infelizmente, evasão escolar é algo existente antes da Covid. Esse fenômeno já estava presente e se conectava com defasagem idade série, gravidez e casamento precoce e trabalho infantil. Se ao longo dos últimos anos o trabalho infantil foi diminuindo por conta de políticas públicas adequadas, a Covid reforçou tudo de novo. Nesse sentido, vai ser muito importante olhar para evasão escolar, fazendo busca ativa de crianças e jovens que se desengajaram da escola, por exemplo. Mas além da visitação, é necessário criar um sistema potente de recuperação de aprendizagens para que os alunos consigam acompanhar as aulas e acelerar os mais velhos. Às vezes, se tenta colocar os mais velhos pra estudar à noite em educação de jovens e adultos [EJA] e isso não funciona bem. Eles precisariam ter turmas que os acelerassem, para fazer o Ensino Fundamental II em dois anos, por exemplo, para depois ingressar no Ensino Médio. A aceleração de aprendizagem pode ser uma saída, mas tão importante quanto isso é olhar pra saúde mental desses jovens, para que eles se sintam bem-vindos na escola. Não podemos ter nenhuma criança ou jovem a menos na escola, e isso não é tarefa apenas da escola, mas também da assistência social e dos conselhos tutelares. 

Vivescer: 2022 será marcado por diferentes eventos e um deles é a Copa do Mundo. Como a escola pode tratar de cultura árabe, mas também de questões humanitárias que envolvem o país sede? 

Claudia: Paulo Freire já dizia sobre a importância de conectar o que está sendo aprendido na escola com a vivência do aluno. No caso da Copa desse ano, é possível discutir o que é o Catar, o mundo árabe, por que o Brasil tem uma determinada característica política que lá não existe, qual é o papel da mulher nesse lugar, como isso pode avançar, como funciona o acesso à educação. São muitas questões. Em matemática, é possível aprender cálculos e geometria a partir de jogadas e entender porque regras são importantes. Mas aproveito para dizer que mesmo com a pandemia, há muita coisa que pode ser trabalhada com aprendizado baseado em projetos, integrando disciplinas. Nesse período em que implementamos o Novo Ensino Médio que é organizado por áreas de conhecimento, que tal aproveitar a Copa do Mundo como um momento de olhar a integração de disciplinas em um projeto e incentivar professores a trabalhar colaborativamente? 

Vivescer: As eleições também vão pautar diversos debates ao longo do ano. O acontecimento pode ser um pretexto para trabalhar outros temas, como democracia, o funcionamento das eleições e da política brasileira com os estudantes? É possível realizar adaptações e discutir o tema também com crianças? Pode citar exemplos de atividades nesse sentido? 

Claudia: Para nós, adultos, a questão da democracia em um país como o Brasil é bem mais clara, com todos os seus desafios. Mas a convivência pacífica, admitindo o outro a pensar diferente, é algo que precisamos trabalhar desde a primeira infância, e existem estratégias para fazer isso com crianças bem pequenas, como, por exemplo, criar assembleias escolares. Uma vez por semana, discutir como está o funcionamento da turma, o que está dando certo ou errado, o que as crianças propõem para melhorar, aprender a esperar a vez de falar e a ouvir o outro. As eleições também funcionam como uma conexão do aluno com aquilo que está sendo vivenciado [fora da escola]. E é também uma oportunidade para trabalhar a questão das políticas públicas, principalmente com adolescentes, questionando o que precisa acontecer para o Brasil construir um futuro melhor. É necessário ouvir os estudantes, promover um espaço no qual eles se ouçam sem ‘voar um no pescoço do outro’ e, ao mesmo tempo, que o professor possa ampliar o repertório deles sobre questões colocadas sem mostrar a sua visão de mundo como a única visão possível. 

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Respostas

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  1. Boa tarde!

    Entrevista muito valiosa e esclarecedora para se trabalhar com os professores, sobretudo com os professores que fazem parte do projeto Professor Diretor de Turma.