Conselho de classe: dicas para promover uma discussão coletiva mais eficiente sobre o ano letivo

Retomada de conteúdos pedagógicos, questões emocionais e socioeconômicas devem ser consideradas nas reuniões ao final do ano letivo, que podem contar com a participação dos próprios alunos 

Recuperação, reforço, recomposição, acompanhamento. São muitas as nomenclaturas para afirmar uma mesma ideia: o fato de 2022 ter sido um ano desafiador quando o assunto é rever ou, em alguns casos, aprender pela primeira vez os conteúdos que ficaram para trás em razão da pandemia da COVID-19.  

Equipe pedagógica, estudantes e famílias precisaram de muita persistência, paciência, dedicação e diálogo para encarar uma etapa que combinou questões pedagógicas, emocionais – como o luto e o medo de contaminação pelo coronavírus -, e questões socioeconômicas, considerando o desemprego e aumento da fome.  

Para entender como todas essas questões podem ser consideradas nos processos de conselho de classe e qual é a importância de analisar a realidade de cada estudante nesses momentos, a Vivescer conversou com Solange Turgante Adamoli, diretora do Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas (DOEP) da Secretaria de Educação de Guarulhos, em São Paulo. Confira a seguir. 

Vivescer: O que educadores e toda a equipe pedagógica devem ter em mente ao fazer o conselho de classe desse ano? O que muda diante de todo o contexto de um ano letivo presencial pós-pandemia? 

Solange: Não podemos realizar um conselho de classe sem manter a escuta ativa de todos para compreender as situações que os educandos possam ter vivenciado, seja durante a pandemia ou no retorno presencial. Os educadores devem ter em mente que não estamos em um processo de continuidade do planejamento inicial, muito pelo contrário. Houve um rompimento no meio do caminho e os educandos perderam mais do que conteúdo das diversas áreas; perderam a oportunidade da convivência, da manutenção das relações interpessoais e, considerando que a aprendizagem se dá por meio das interações, enxergamos que um grande desafio nesse momento é propiciar atividades que favorecessem o relacionamento, estabelecendo e oportunizando a construção e reconstrução dos vínculos entre as crianças, jovens, adolescentes e adultos.

Vivescer: Como essa participação de todos os envolvidos, desde a equipe pedagógica até alunos e suas famílias, acontece na rede de Guarulhos? 

Solange: Na rede municipal de Guarulhos, o conselho recebe o nome de CPCC – Conselho Participativo de Classe e Ciclo. O termo “participativo” faz toda a diferença, pois deixa marcado, nesse processo, a importância da participação efetiva das famílias e/ou responsáveis e dos próprios educandos, sejam eles crianças, jovens ou adultos.

Vivescer: Como fazer conselho de classe considerando todas as consequências da Covid-19 na educação? Qual deve ser o foco dessas reuniões avaliativas? 

Solange: Não podemos focar apenas em resultados de aprendizagens mensurados a partir de notas ou conceitos. É necessário e importante considerar o quanto o educando foi capaz de avançar mesmo frente aos desafios impostos pela pandemia. Com os objetivos de aprendizagem em mãos, o educador deve revisitar os registros produzidos ao longo do ano, como portfólio, semanários e pautas de observações referentes a cada educando e analisar os avanços obtidos. Cabe, também, um destaque aos aspectos emocionais, pois temos dificuldades de aprendizagem em situações estressantes, tristes e de insegurança. A sombra da pandemia continua ameaçando nossa saúde e de nossos familiares. Nas redes públicas somam-se ainda as dificuldades socioeconômicas. Quantos educandos estão indo para a escola para poder se alimentar? Quanto a ameaça de não ter o que comer no dia seguinte impossibilita que mantenham atenção às propostas de atividades e consigam aprender? Na realização de um conselho de classe, conhecer o estudante e reconhecer os contextos em que estão inseridos são ações primordiais, afinal, são muitas as variáveis que circulam o processo educativo.

Vivescer: Falando especificamente das situações enfrentadas esse ano – de recuperação da aprendizagem -, que recados são importantes passar aos alunos e famílias ao final do ano letivo? 

Solange: É importante lembrar que não recuperamos tempo perdido. É necessário verificar o que foi possível avançar em 2022 para planejar 2023. Não é possível desejar recuperar dois anos de distanciamento do ambiente escolar em apenas um ano. É necessário que saibamos que teremos muitos anos para buscarmos reparar as perdas que todos sofremos. Isso não significa ficar parado esperando que o tempo faça isso sozinho. O planejamento intencional de ações por parte das redes, das escolas e dos professores é essencial para que isso aconteça.

Vivescer: Esse processo de recuperação de múltiplas aprendizagens deve acontecer somente na escola ou é possível trabalhar educação em outros espaços? O conselho pode sugerir atividades e práticas com sentido mais lúdico? 

Solange: Para os educandos e suas famílias, destaco que é fundamental encontrar o assunto de interesse, aquele que irá mantê-lo motivado a, cada vez mais, se aprofundar nos conhecimentos. Vale dizer que o caminho para as aprendizagens se faz por meio de várias linguagens: artes visuais, cinema, teatro, fotografia, dança, esportes, literatura. Portanto, visitem museus, andem por praças e parques, vão ao cinema, participem de atividades esportivas, teatro e dança. É importante destacar que a educação integral engloba a multidimensionalidade, os sentidos, sentimentos, o corpo e movimento, e não apenas a cabeça, com o tradicional “fazer lição”.

Vivescer: Como motivar estudantes a continuarem empenhados na vida escolar? 

Solange: Acompanhei o desenvolvimento de muitos projetos de interesse e pude ver como são capazes de mobilizar os educandos na busca pelo conhecimento. Vi crianças de 2º ano realizarem pesquisas em livros destinados ao 6º e 7º anos e aprenderem com profundidade sobre assuntos diversos, desde fenômenos naturais até questionamentos como “de onde vieram os indígenas brasileiros”. Quanto conhecimento uma criança de 8 anos precisa ter para elaborar uma pergunta como essa? Além disso, sem o Brasil passar por grandes fenômenos naturais, por que se interessam em compreender como funcionam as placas tectônicas ou como se formam os furacões? É assim: permitindo que a curiosidade e a imaginação despertem o interesse por temas variados. Nesse processo, é necessário que o educador seja observador e verifique na proposta curricular que a escola está pautada quais são os saberes e as aprendizagens ou as habilidades da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), podem ser desenvolvidas pelos alunos a partir de seus próprios interesses. 

Vivescer: Qual é a importância da presença das famílias e dessa parceria com a escola especificamente nesse final de ano? Você acredita que essa parceria entre as duas instâncias contribui para um bom resultado no final do ano?  

Solange: A parceria da escola com a família é fundamental para que os educandos se sintam seguros e apoiados durante a sua vida escolar, mesmo quando apresentam algum tipo de dificuldade. O resultado de um ano letivo pode ser fruto de muitos fatores, não está relacionado apenas a estudar incessantemente um conteúdo para a realização de provas, mas, principalmente, em como muitas vezes auxiliamos os educandos na construção de uma rotina de estudos, considerando também o tempo do lazer, do brincar e do ócio. Por isso, sugiro que as famílias mantenham diálogo com a escola a fim de acompanhar o processo de ensino e aprendizagem dos filhos durante todo o ano letivo e, em contato com os educadores, compreender as necessidades dos filhos e estabelecer uma rotina mais assertiva para o próximo ano. Cobranças excessivas geram medo e frustração, o que, em caso de processos de exame e recuperação final, podem ser prejudiciais.

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