Como a formação continuada de professores pode ajudar o ensino durante a pandemia

Estratégias inovadoras usadas na formação inicial podem ser adaptadas para formações online, estreitando laços entre teoria e prática na sala de aula.

A formação de professores é uma verdadeira equação constituída por etapas finitas e contínuas durante a trajetória profissional, que devem observar tanto aprendizados teóricos, a prática e também o desenvolvimento integral do educador enquanto ser humano.

A formação inicial, por exemplo, é uma etapa que precisa ser repensada, o que já vem acontecendo em diversos países que têm promovido maior aproximação entre teoria e prática. Esse movimento de aproximar o que futuros professores veem ainda enquanto estudantes e o que vivenciam em estágios durante sua formação também pode ser aplicado na formação continuada, outra fase importante da trajetória profissional.

“Esse movimento de buscar na teoria subsídios que ajudem a resolver questões da vida real na escola tende a ser muito mais eficiente e ter muito mais impacto tanto na formação do professor, quanto em sua atuação em sala de aula, o que vai se refletir na melhor aprendizagem dos alunos. Países com resultados de aprendizagem mais satisfatórios do que o Brasil realizam as formações dessa maneira”, explica Maria Alice Carraturi, doutora em educação pela USP (Universidade de São Paulo), organizadora da BNC (Base Nacional Comum para a Formação de Professores) e uma das consultoras da nota técnica “Formação inicial de professores: Uma visão para a construção de propostas pedagógicas orientadas para a prática”, publicada pelo Instituto Península

A especialista comenta que as formações brasileiras são demasiadamente teóricas, e que palestras sobre um determinado tema, como metodologias ativas, por exemplo, têm baixo impacto efetivo na atuação do professor em sala de aula. Adotar formações mais práticas e “mão na massa”, entretanto, não significa fazer com que o professor vivencie as mesmas propostas que irá oferecer a seus alunos. “O docente é um adulto, com um desenvolvimento cognitivo diferente do estudante. O que ele precisa entender é quais são as competências e habilidades que são desenvolvidas com determinada proposta ou objeto, quais são os raciocínios dos alunos e como é possível ajudá-los a atingir níveis mais elevados de compreensão”, explica Maria Alice.

 

Importância da formação continuada

Estudos e pesquisas mostram que os docentes brasileiros buscam cursos, formações e atividades para se manterem atualizados, ao passo que o contexto da pandemia de Covid-19 chamou ainda mais atenção para a importância desse constante aprimoramento. Na primeira etapa da pesquisa “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil”, do Instituto Península, 60% dos professores indicaram que estavam usando seu tempo para estudar e se aprimorar.

Maria Alice pontua que as formações continuadas, sobretudo no momento de pandemia que migrou desde a educação infantil até o ensino superior para o ambiente online, devem se atentar a três pontos principais. São eles: 1. investir em reflexões e planejamentos, 2. que ajudem a modelar essa nova metodologia de ensino para a educação básica que é a educação a distância – inclusive inspirando-se na experiência EAD no ensino superior -, e 3. entender quais mídias estão disponíveis e qual é a melhor forma de usar cada uma delas.

“Neste momento, existem vários recursos online, mas eu acredito que o principal é colocar o professor como pensador, pesquisador, que comece na prática, vá para a reflexão, e volte para a prática. Nós nunca podemos perder o contato com a sala de aula, pois ela é o grande foco de atuação e pesquisa e precisa estar sempre em voga”, afirma.

Vale ressaltar que um dos pilares para que o professor esteja bem em sala de aula é a atenção ao lado emocional. Para Maria Alice, o desenvolvimento socioemocional docente é fundamental não apenas por conta do próprio professor enquanto ser humano, mas também para que seja possível o mesmo trabalho com os alunos. Além disso, a especialista pontua que, apesar de muitas pessoas estarem preocupadas principalmente com conteúdos curriculares, o momento também pode ser usado para o desenvolvimento de competências gerais descritas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), como solidariedade, relacionamento, flexibilidade, comunicação e outras.

 

Estratégias para formação continuada e online

Algumas estratégias que são aplicadas na formação inicial podem ser adaptadas para a formação continuada de professores. Entretanto, o momento impõe um desafio a mais: a necessidade de fazer as formações a distância, em razão do agravamento da pandemia. Maria Alice cita alguns exemplos que podem ser adaptados para as capacitações online. Confira a seguir.

→ Troca de experiências entre professores da mesma escola de forma estruturada

“Na Finlândia e na China, o locus de formação é na escola e entre pares. Os próprios professores se organizam e fazem a formação. Na Finlândia, se um professor faz um curso, depois ele compartilha com outros colegas da escola. Se um aprende uma coisa diferente, divide com os outros. Também existem as formações oferecidas pela rede no início do semestre letivo, mas durante o ano são os docentes que tocam o processo.”

→ Filmar a aula

“Tem algumas técnicas usadas na formação inicial por instituições de ensino superior públicas de Michigan, nos Estados Unidos, que podem ser usadas na formação continuada, como o professor filmar a sua aula e discuti-la posteriormente com colegas a partir de rubricas de qualidade. Não basta assistir o vídeo e discutir, mas sim eleger um critério para avaliar a aula ministrada. Nesse processo é possível identificar falhas, ganhos e o que ainda pode melhorar.”

→ Assistir gravações de aulas de terceiros

“É possível encontrar aulas online de professores desconhecidos, criar rubricas sobre o que os professores deverão olhar no vídeo e depois discutir o conteúdo. Essa análise e trabalho de reflexão pode ajudar a pensar o que faria se isso acontecesse em sua sala de aula, e faz o professor refletir sobre sua prática.”

→ Transcrição

“Uma estratégia é ter casos, reais ou fictícios, apresentados aos professores com um objetivo de aprendizagem. Essa transcrição pode ser de uma boa prática ou não. E então, usando critérios, o professor reflete como atuaria naquela situação. Existem diversas situações em sala de aula que o professor tem uma reação mais imediata. Mas ter esses momentos em que ele pode refletir sobre esses eventos reais e ver situações similares, possibilita uma reação mais apropriada da próxima vez. O exemplo usado pode ser, inclusive, de vivência dos próprios professores, em um movimento de discutir um problema da vida real no grupo e depois procurar algo teórico nesse sentido, sobre quais reflexões já foram feitas sobre o tema.”

→ Dramatização

“A dramatização consiste em colocar cinco professores atuando em determinada situação como quando, por exemplo, um aluno xinga o outro em sala de aula. O que o professor pode fazer na hora? Ele pode ficar bravo, pode conversar. Mas essa conversa precisa ser qualificada, para que ele aborde a questão de um jeito que leve o estudante a refletir.”

→ Vivência de ambientes de bem-estar

“Na Finlândia, o bem-estar faz parte do currículo. Ele é essencial para a realização pessoal. Não tenho dúvida que isso tem um significado muito importante não apenas na formação do professor, mas em sua vida. É necessário que a pessoa esteja em um ambiente acolhedor e amigável para desenvolver o bem-estar, e acredito que nós aprendemos melhor quando vivenciamos alguma situação, do que quando só ouvimos alguém falar sobre. Por isso, é importante que o professor vivencie ambientes de bem-estar na formação continuada, para que ele possa observar e replicar em sua sala de aula.”

 

Foto: jcomp/Freepik 

* Conteúdo em parceria com Porvir

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