A importância de trabalho com o corpo para professores e alunos

A rotina desgastante vivida ao longo das aulas remotas ligou o alerta para muitos professores sobre o autocuidado. Na Vivescer, a jornada do corpo é destinada justamente a esse tema e, em breve, os educadores cadastrados vão poder acessar novo percurso, também de olho em enriquecer o trabalho sobre desenvolvimento integral.

O programa contou com a parceria do educador André Trindade, que desde 1997 desenvolve um trabalho de conscientização corporal em escolas públicas e particulares, que deu origem ao livro “Mapas do corpo: Educação postural de crianças e adolescentes” (Summus Editorial, 291 páginas).

A obra traz um conjunto de referências capazes de determinar distâncias, direções e ligações entre as partes do corpo, a fim de facilitar o movimento coordenado. Além disso, apresenta atividades para estimular a boa postura, a flexibilidade, a autoconfiança e o prazer da brincadeira.

O saldo da iniciativa é tão positivo que atualmente os alunos que passaram pela experiência pedem que ela seja repetida. “É comum que os estudantes peçam pausas e alguns minutos de silêncio”, conta Trindade. Na entrevista que você lê abaixo, Trindade comenta a importância de conhecer o próprio corpo, como o tema está presente nas escolas e o impacto da pandemia no desenvolvimento de professores e estudantes.

 

Vivescer – Como o corpo pode ser um grande aliado no processo de autoconhecimento?

André Trindade – Habitamos nosso corpo desde o ventre de nossas mães. Nos primeiros três anos de vida, as conquistas motoras, como rolar, engatinhar, sentar, andar estão fortemente associadas à noção de si mesmo. O corpo também permeia as relações afetivas com o mamar, o colo, a troca de afetos e carinhos. E a criança aprende com as nossas atitudes. Ao longo da primeira infância, as conquistas corporais permanecem de grande interesse para a criança: correr, saltar, equilibrar-se, andar de bicicleta, além da conquista da autonomia como alimentar-se sozinho, vestir-se, aprender a escrever.

Em nossa cultura, a partir do ensino fundamental, isso vai perdendo importância. Depois, quando conquistamos um certo nível de controle sobre a motricidade, passamos a ter interesse por outras áreas, isso é humano, mas, o que acontece é que na nossa cultura o corpo vai sendo deixado de lado diferentemente de outras culturas. A gente continua com o trabalho corporal, mas ele é menos valorizado.

 

Vivescer – O que você  passa nas formações? Como convencer professores sobre a importância da educação corporal?

Trindade – Os professores não são formados sobre a importância da organização postural, da coordenação motora e do impacto que isso tem no aprendizado dentro da sala de aula.

Por exemplo, se o educador tivesse instrumentos para ensinar os alunos a se sentarem em posturas saudáveis, com certeza a capacidade de atenção do grupo seria muito maior.

Hoje sabemos pelos estudos da neurociência que a postura física influencia enormemente a capacidade de foco e atenção.

Da mesma forma, se o professor conhecesse melhor a própria postura durante as aulas, evitaria uma série de problemas ortopédicos futuros. A voz faz parte do “corpo” e é exageradamente utilizada pelo professor em sua comunicação. Isso traz problemas para este instrumento tão precioso. Porém, há inúmeros outros recursos corporais que podem aliviar o excesso de uso da voz e tornar a comunicação mais efetiva.

Os professores podem inicialmente se sentir envergonhados de aprender sobre o corpo e trazer essas informações para suas rotinas. Mas, quando experimentam e veem o resultado, aderem às propostas.

 

Vivescer – O que fazer quando se está limitado ao espaço de casa?

Trindade – A pandemia prendeu os nossos corpos nos espaços privados e rompeu, de certa forma, essa relação de corpo a corpo. Mas a gente percebeu o quanto dependemos do nosso corpo. O lado do ganho, é alcançar outras tecnologias, é um ganho para o professor, porque ele teve que se renovar. O professor tem um trabalho com nobreza, comparável ao do médico. É gente que está na linha de frente, as escolas não estavam preparadas , diferente de outras profissões. É preciso manter os alunos, conectados, vinculados e interessados. Inclusive por causa da evasão escolar brutal. Manter a conexão hoje, é tão ou mais importante do que transmitir os conteúdos. O aspecto pessoal do professor e o vínculo que ele consegue estabelecer com o aluno, ao meu ver, tem mais valor do que sua capacidade técnica como profissional.

 

Vivescer – Como qualquer professor, não só o de educação física, pode levar esses conceitos a seus alunos?

Trindade – O trabalho corporal tem relação direta com o autoconhecimento e a liberdade de escolhas. Na escola, isso é um aprendizado muito importante. As crianças estão muito mais ligadas à linguagem corporal do que nós, adultos, e aprendem por meio da expressão corporal dos seus professores, muito mais com gestos do que com palavras. Se o professor está nervoso e agitado, não adianta falar pra criança “ficar calma”. É preciso que ele próprio se acalme e isso faz com que os alunos encontrem coerência no pedido.

 

Vivescer –  O Brasil tem uma cultura sedentária. Dito isso, como o professor consegue levar a questão do exercício e da mobilidade corporal para sala de aula?

Trindade – Discordo que o Brasil seja um país sedentário. Penso que a cultura ocidental é sedentária. O Brasil tem uma corporalidade festiva, carnavalesca, somos inclusive, na minha visão, mais sensoriais do que os europeus ou os norte-americanos. O corpo representa a minha porção atuante, viva. Na escola, já ocorre uma formação da consciência corporal, tanto nas aulas de educação física, quanto na utilização do espaço.

Agora, dentro da sala de aula, eu dizia que é muito pouco o que se aprende sobre o corpo. Colocar uma criança sentada por cinco horas e esperar que ela fique sentada não dá certo. Não há quem mantenha o interesse.

É preciso ter humildade para aprender. Em seguida, todos podem ensinar. Meus livros são bastante didáticos e logo mais teremos uma Jornada na plataforma do Vivescer com todo esse conteúdo.

 

Vivescer – No caso dos alunos, como essa abordagem pode ajudá-los a se sentir melhor em casa? A questão emocional tem sido muito falada.

Trindade – O ensino remoto, que foi necessário por causa da pandemia, afetou ainda mais o processo de comunicação corporal entre os estudantes e os professores. Percebemos como a relação presencial é rica na comunicação dos conteúdos.

O confinamento prendeu os nossos corpos em espaços privados, rompendo a relação de comunicação corpo a corpo, tornando o trabalho do professor e do aluno muito mais difícil. Por outro lado, houve um ganho para o professor por acessar novas tecnologias.

 

Vivescer – Algumas empresas já desenvolvem programas em que os funcionários param por 5 minutos para fazer exercícios, é possível implementar processos como esses nas escolas? Se sim, como fazer?

Trindade – Proponho que os professores façam pausas, cinco, dez minutos, uma dança livre, exercícios de relaxamento, de respiração… Desenvolvo esse trabalho desde 1997, em escolas particulares e da rede pública e escrevi um livro chamado “Mapas do Corpo”, que trata da educação postural de crianças e adolescentes, nas escolas e nas famílias.

 

Vivescer – Como pensar as suas formações quando há pessoas com deficiência, sejam professores ou estudantes?

Trindade – Para a inclusão ocorrer, é preciso haver condições de ocorrência. Muitas vezes não existem essas condições. Para mim a palavra chave para poder incluir é o respeito à diversidade. Não podemos uniformizar o corpo ou a busca de um corpo ideal. Cada um deve respeitar seus limites e, ao mesmo tempo, tentar superá-los. Hoje vemos cadeirantes praticando esportes e dança. É preciso adaptar as propostas para os diferentes “corpos”.

 

Crédito: Freepik

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